As investigações da operação que prendeu duas pessoas por esquema de desvio de verba do orçamento secreto mostram que a cidade de Igarapé Grande, no Maranhão, declarou ter feito 385 mil consultas especializadas em um ano no município, que tem 11 mil moradores. Com isso, aumentou em sete vezes o valor que a cidade recebia de financiamento para saúde que vem por meio de emendas da Câmara dos Deputados.
Em 2019, o Congresso
aprovou novas regras para emendas de relator, que passaram a valer a partir de
2020. E é aí que entra o orçamento secreto. Com essa emenda, o nome do deputado
fica oculto. Não se sabe quem está destinando dinheiro público e tudo é
repassado na figura do relator do orçamento, que varia todo ano.
De acordo com as investigações do Ministério Público Federal (MPF),
os investigados incluíam dados falsos em sistemas do Sistema Único de Saúde (SUS) em diversos
municípios maranhenses para inflar a quantidade de procedimentos realizados e,
dessa forma, aumentar o repasse de recursos para financiá-los.
O principal município investigado é Igarapé Grande, a 290 km da capital
São Luís. De acordo com a investigação, a cidade tem 11 mil habitantes e teve
um crescimento exponencial no número de procedimentos de saúde desde 2019.
Antes do suposto esquema, a cidade tinha em média cerca de 100 mil
procedimentos considerados de alta e média complexidade na saúde. A partir de
2019, o número passou para 754 mil e manteve-se com média alta, com 668 mil
registros em 2020 e 675 mil registros em 2021.
O volume inflado de procedimentos resultava em mais orçamento. O MPF
identificou que foi possível Igarapé Grande furar o teto de transferência de
financiamento dos procedimentos de Média e Alta Complexidade, que são recursos
enviados pela União via emendas parlamentares para complementar o custeio dos
serviços de assistência médica.
Com isso, o valor destinado ao financiamento desses procedimentos saltou de R$ 1 milhão em 2018 para R$ 7 milhões em 2021. A
suspeita da polícia é de que, depois, esses recursos eram desviados por meio de
fraudes em contratos com empresas.
Entre os procedimentos listados como inflados, a investigação cita a
realização de mais de 12,7 mil radiografias de dedo somente no ano de 2020.
"Os gestores da saúde do município requerido aumentaram de forma
artificial e bastante superestimada o número de atendimentos da Média e Alta
Complexidade inseridos no Sistema de Informações Ambulatoriais (SIA) e no
Sistema de Informação Hospitalar (SIH) para majorar o limite de transferência
que poderia receber através do Fundo Nacional de Saúde", diz a decisão do
juiz Deomar da Assenção.
Operação Quebra-Ossos
Na
operação desta sexta-feira (14), foram presos os irmãos Roberto Rodrigues de
Lima e Renato Rodrigues de Lima.
Roberto Rodrigues é apontado como um dos
relatores das emendas do orçamento secreto. Segundo a apuração da Controladoria
Geral da União (CGU), ele foi responsável pelo cadastro de solicitações de
recursos no Sistema de Indicação Orçamentária (SINDORC) da Câmara dos
Deputados, tratadas como potenciais destinações de emendas parlamentares, na
ordem de R$ 69 milhões.
Na investigação, a Controladoria Geral da União (CGU) descobriu que
ele não tinha vínculo formal com a cidade de Igarapé Grande, mas tinha o aval
da Secretaria de Saúde para fazer lançamentos de dados de procedimentos em seus
sistemas.
Além dele e de seu irmão, outras seis pessoas são investigadas e mais
quatro empresas estão entre os alvos. A Justiça determinou ainda o bloqueio de
R$ 57 milhões em bens dos investigados, referentes somente a Igarapé Grande e
as empresas relacionadas a operação Quebra-Ossos. No entanto, o MPF pediu, e a
Justiça aceitou o bloqueio de 78 milhões referentes a 20 municípios, incluindo
Igarapé Grande.
Entre os 20 municípios que tiveram as contas bloqueadas, estão Miranda
do Norte, Afonso Cunha, Bela Vista, São Francisco do Maranhão, Loreto,
Governador Luiz Rocha, Santa Filomena do Maranhão, São Bernardo, Igarapé
Grande, Bequimão, Turilândia, Lago dos Rodrigues, Joselândia e São Domingos.
A reportagem do g1 tenta
contato com a defesa dos presos, mas não obteve retorno até a publicação desta
reportagem.
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