Depois
do feijão com arroz, outra combinação familiar à mesa dos brasileiros deve
ficar ainda mais cara. Trata-se do café com leite.
Por trás do possível aumento nos
preços para o consumidor, há os efeitos da seca e das recentes geadas que
atingiram o país.
A dupla de fenômenos climáticos
afeta a produção no campo e, assim, tende a pressionar os valores do café e do
leite até as gôndolas dos supermercados.
Na visão de analistas, repasses
dos aumentos aos produtos que chegam à mesa do consumidor são praticamente
certos. Resta saber a magnitude dos reajustes e a velocidade em que devem
ocorrer.
No caso do café, a safra deste
ano já era impactada pela escassez de chuva. Com o registro de geadas em julho,
nos estados de Minas Gerais e São Paulo, a situação ficou ainda mais
complicada.
É que, ao causar danos aos
cafezais, o frio intenso tende a reduzir a produção em 2022. Em geral, a geada
não resulta em grandes problemas para os grãos prontos para colheita, e, sim,
para safras futuras.
O tamanho exato dos estragos
ainda está sendo calculado. De acordo com analistas, é preciso aguardar para
ver como as plantas irão reagir nos próximos dias aos impactos das baixas
temperaturas. O Brasil é o principal produtor de café do mundo.
Diante do cenário negativo, as
cotações do grão dispararam. Em julho, a saca da variedade arábica rompeu a
barreira dos R$ 1.000, acumulando alta de 20,16% no mês, segundo dados do Cepea
(Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada). Ao final de 2020, a saca
custava R$ 606,69.
"Os preços do café são
afetados quando há projeções de problemas mais à frente. Antes, vinham subindo
com essa questão da seca. Agora, existe uma dúvida sobre o tamanho dos impactos
com a geada", sublinha Renato Garcia Ribeiro, pesquisador de café do
Cepea.
O preço do leite no campo também
disparou. Conforme o Cepea, o valor pago ao produtor em julho chegou a R$
2,3108 por litro no país. É o recorde real – que leva em conta a inflação – da
série histórica, com dados desde 2005. O preço se refere ao leite captado no
mês anterior, junho.
O valor mais alto, contudo, não
anima os produtores. Pelo contrário. Natália Salaro Grigol, pesquisadora de
leite do Cepea, diz que o avanço reflete o aumento dos custos no campo, e não
uma rentabilidade elevada para quem vive da atividade.
Grãos como o milho, insumo usado
na alimentação de vacas, subiram durante a pandemia. A escassez de chuvas no
país contribuiu para diminuir a oferta e aumentar os preços da commodity. Não
bastasse isso, geadas destruíram pastagens, que também serviriam para alimentar
os animais.
"Essa combinação gera um
estrangulamento nos custos de produção", define Natália.
O produtor Cláudio Denti Masson,
50, sentiu os impactos adversos do clima. Ele cultiva café em uma área de 60
hectares no município paulista de Pardinho (cerca de 200 km da capital) e tem
50 vacas em fase de lactação.
Segundo Masson, a seca e a geada
danificaram plantações do grão, e a produção de leite ficou mais custosa nos
últimos meses.
"A pastagem, por exemplo, já
não estava muito boa por causa da seca. Aquilo que ainda tinha foi queimado
pela geada. Toda a alimentação das vacas terá de ser feita com ração e
suplementos. O custo fica maior, mas a produção cai. Isso, com certeza, vai
gerar inflação", afirma.
O produtor também menciona que,
para piorar o quadro, houve aumento nos custos de pesticidas e adubos durante a
pandemia. Segundo ele, os itens subiram de 70% a 100% no intervalo de um ano.
"O leite e o café sofreram
com a seca e a geada. O café sente isso diretamente, porque a plantação é
afetada. No caso do leite, os produtores precisam adicionar alimentos para os
bovinos, com custo maior", frisa o pesquisador Felippe Serigati, do centro
de estudos FGV Agro.
"Cedo ou tarde, uma fração
desses aumentos vai chegar à prateleira do supermercado. Não é um repasse de
100%, mas alguma coisa vai chegar lá", acrescenta.
Cláudio Brisolara, gerente do
departamento econômico da Faesp (Federação da Agricultura e Pecuária do Estado
de São Paulo), vai na mesma linha. Segundo ele, a perspectiva é de aumento nos
preços ao longo da cadeia produtiva.
Brisolara destaca que, no caso do
leite, a recuperação das pastagens danificadas pelas geadas pode levar de
quatro a seis meses. Já em relação ao café, os impactos dos eventos climáticos
tendem a ser mais longos, pontua o analista. A questão é que o leite também
pode ter reflexos na produção de derivados, como queijo e manteiga, por
exemplo.
"Algum repasse vai chegar ao
consumidor, ou a conta não vai fechar. Pode ser que a indústria até absorva um
pouco da alta, assim como o varejo", aponta.
No acumulado de 12 meses até
julho, o consumidor brasileiro viu o café moído subir 13,21%, enquanto o
solúvel avançou 3,69%, conforme dados do IPCA, o índice oficial de inflação do
país.
O leite longa vida, por sua vez,
teve elevação de 11,29%. Em igual período, o índice geral de inflação registrou
variação de 8,99%. Os dados são calculados pelo IBGE (Instituto Brasileiro de
Geografia e Estatística).
Reportagem recente do jornal
Folha de S.Paulo mostrou que, devido aos preços em alta, consumidores vêm
buscando substituir alimentos na pandemia. Nem o tradicional feijão com arroz
ficou imune a essa situação.
A educadora social Adecilva da
Silva Conceição, 61, faz parte do grupo que lamenta a alta dos preços. Durante
a pandemia, a moradora de Porto Alegre (RS) busca promoções e tenta substituir
marcas mais caras por aquelas mais baratas no supermercado, inclusive as de
café e leite.
Durante a crise sanitária,
Adecilva não está trabalhando. Ela vive com a filha e cuida dos netos."
A situação está difícil, principalmente para o povo mais carente. Tenho procurado promoções e tento substituir marcas. Tem de ser assim, ou o bolso não aguenta."
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