Uma semana depois do primeiro embate como presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), o ministro Luiz Fux esteve novamente em um confronto, desta vez com o ministro Marco Aurélio. O ministro, que teve a decisão cassada pelo presidente, chamou Fux de autoritário. “Só falta Vossa Excelência querer me peitar para eu mudar meu voto”, reclamou. Fux, por sua vez, pediu respeito.
O colegiado referendou a decisão de Fux de restabelecer a ordem de prisão a André Macedo, conhecido como André do Rap, traficante e um dos líderes do Primeiro Comando da Capital (PCC), ainda que os ministros tenham feito ressalvas à possibilidade de o presidente da Corte proceder desta forma.
Rosa Weber, Cármen Lúcia, Ricardo Lewandowski e Gilmar Mendes levantaram preocupação em relação ao reconhecimento do instrumento contra medida deferida por integrante da Corte.
Na semana passada, Fux apresentou proposta para alterar a competência das turmas e retornar para o plenário a prerrogativa de julgar ações penais e inquéritos. Como os colegas foram pegos de surpresa, o ministro Ricardo Lewandowski questionou o fato de a proposta não estar na pauta.
O ministro Gilmar Mendes, mais enfático, reclamou da falta de discussão prévia sobre o tema. “O presidente é um coordenador entre iguais. Isto é fundamental. É preciso dialogar, todos nós nos habituamos a isso. Eu não me oponho, mas que se tome esse cuidado em relação aos colegas. Então vamos fazer um ato institucional e passasse a fazer desta forma. Não é assim. Não é assim que se procede”, disse.
Bate-boca
Marco Aurélio reclamava que esta é a primeira vez em que se admite “este superpoder, pelo todo poderoso e autoritário presidente. Autoritário porque cassou uma decisão de um colega!”, enfatizou. Ele afirmou que acredita que o habeas corpus não tenha sido avocado pelo presidente e que ele ainda mantém a relatoria do caso.
“Acredito que não tenha sido avocado — e avocatória sugere triste lembrança — o próprio HC e acredito também, que Vossa Excelência não tenha chegado ao ponto de cassar a relatoria do habeas corpus, de deslocá-lo, por provocação ou não do órgão competente para julgá-lo, que é a Turma, para o Plenário”, disse. Para ele, a liminar concedida por ele caiu por uma via errônea.
Mas o clima piorou depois da conclusão do voto. Marco Aurélio disse que a relatoria do caso segue com ele e, portanto, levará o tema ao colegiado quando terminar de instruí-lo.
“E não ocupo cadeira voltada a relações públicas e me pronunciarei segundo a minha ciência e consciência, segundo o meu entendimento sobre a matéria e atuando em colegiado e todos sabem que mesmo ficando vencido sempre entro com uma fisionomia e saio com a mesma fisionomia. Quem disputa é a parte, jamais me senti alcançado por qualquer decisão. Mas hoje o STF está procitando a cassação individual; de um ato de seu integrante. Mas, poderemos ter aí a adoção da máxima popular. um cesteiro que faz um cesto faz um cento e amanhã poderá ser a liminar de outro integrante. O colegiado não ganha”, disse.
O agravo, meio adequado para o questionamento da decisão do relator, fica, segundo ele, prejudicado porque “não poderá ser julgado com liberdade pelo órgão fracionário que é a turma, depois desse extravagante pronunciamento do colegiado. Voto portanto no sentido de inadmitir a possibilidade seja qual for o presidente e ele presidente cassar individualmente decisão de um integrante do tribunal os atos do integrante somente ficam sujeitos à glosa de colegiado.”
Assim, com a palavra de volta a Fux, ele indagou a Marco Aurélio se, no mérito, ele gostaria de se manifestar. “O plenário por sua maioria resolveu enfrentar o mérito. As leis processuais determinam que vencido na preliminar o integrante deverá se pronunciar…”
— Só falta essa! Vossa Excelência querer me ensinar como eu devo votar. Só falta essa. Eu não imaginava que seu autoritarismo chegasse a tanto.
— Não ouvi o que Vossa Excelência disse, não ouvi o que Vossa Excelência…
— Só falta Vossa Excelência querer me peitar para eu modificar meu voto. Meu habeas corpus continua íntegro, será levado ao colegiado.
Fux disse que, depois da conclusão do julgamento, gostaria de dar “duas palavras” com Marco Aurélio. O ministro respondeu que sairia da sala. Fux, então, responde ainda durante a sessão.
“Eu queria dizer algumas palavras dentro da urbanidade que um ministro da Suprema Corte deve ter e é assim que eu vou me dirigir a Vossa Excelência. Eu queria dizer a Vossa Excelência, em primeira lugar, que o caso foi excepcionalíssimo e a Suprema Corte ratificou, muito embora tenhamos todos deixado claro que o caso excepcional exigia uma intervenção judicial. Eu não trouxe, evidentemente, a cassação do habeas corpus porque isto não estava entre as balizas do processo.
Por outro lado Vossa Excelência prenuncia que o cesteiro que faz um cesto vai fazer um cento. Aprendi com Vossa Excelência que não se pode, como fundamento do HC, presumir que o preso volte a delinquir. E aqui foi muito destacado que o caso era excepcional. Então, Vossa Excelência não tem razões nem para me caracterizar como totalitário nem para presumir que outros casos como esse virão.
Peço que mantenha, em nome da nossa amizade antiga, da nobreza que empreendi no meu convite para que Vossa Excelência me saudasse, em nome de várias ligações que temos, que tenhamos respeito um ao outro e também aos nossos conselhos. No caso específico, para mim, representaria autofagia não defender a imagem da Corte e do STF depois que lhe bateu à porta para anunciar que um traficante deste nível pudesse ser solto e depois debochando da Justiça, enganando Vossa Excelência, fugiu do país.”
Marco Aurélio ainda rebateu. Disse que não se sentiu enganado. E que, diante de uma decisão ilegal, a fuga se faz compreensível. “Não se me sinto enganado pelo paciente, porque reconheço o direito à autodefesa. E reconheço, pode ser equivocada, a possibilidade de um cidadão, diante de uma decisão ilegal, fugir, não se submeter a essa decisão ilegal.”
JOTA
Registe-se aqui com seu e-mail
ConversãoConversão EmoticonEmoticon