A prisão do policial militar aposentado Fabrício Queiroz torna
iminente a denúncia a ser apresentada contra o senador Flávio Bolsonaro
(Republicanos-RJ). Dessa forma, o filho do presidente Jair Bolsonaro
deixará o “status” de investigado para se tornar acusado.
As decisões já proferidas pelo
juiz Flávio Itabaiana, da 27ª Vara Criminal, indicam que o magistrado
entende haver provas suficientes para aceitar uma peça acusatória, o que
tornaria Flávio réu pelos crimes de peculato, lavagem de dinheiro e
organização criminosa, da qual seria o líder.
“Analisando as provas constantes da investigação, em especial os
relatórios de inteligência financeira produzidos pelo Coaf, os extratos
bancários e demais diligências produzidas, verifica-se que há prova da
existência do crime de peculato, materializado no esquema de
‘rachadinhas’ dos salários de servidores da Alerj”, escreveu Itabaiana,
na decisão que mandou prender Queiroz.
O Código de Processo Penal prevê apresentação de denúncia contra
investigados presos em dez dias. O prazo não costuma ser respeitado com
rigor, mas o Ministério Público do Rio de Janeiro raramente extrapola
mais de dois meses de intervalo.
O procedimento tramita há dois anos e meio no MP-RJ, tendo ficado parado por quase cinco meses em razão de decisões monocráticas dos ministros Luiz Fux e Dias Toffoli, do STF (Supremo Tribunal Federal).
Em áudio revelado pela Folha, Queiroz definiu o perigo das investigações como “uma pica do tamanho de um cometa”.
A dinâmica descrita pelo Ministério Público sobre o funcionamento da “rachadinha” já
foi desenhada nos três pedidos de medidas cautelares apresentados pelos
promotores à Justiça. Ainda falta saber a dimensão do total de pessoas e
valores envolvidos.
De acordo com as investigações, Queiroz era o operador financeiro do
senador no esquema. Ele recebia parte do salário de alguns assessores de
Flávio por meio de depósitos em espécie, transferência bancária ou
dinheiro vivo. Promotores afirmam que parte do recurso recolhido era
destinado para pagar despesas pessoais do senador.
No pedido de prisão de Queiroz, o Gaecc (Grupo de Atuação
Especializada de Combate à Corrupção) aponta 11 assessores que fizeram
pagamentos para Queiroz identificáveis na quebra de sigilo bancário
autorizada em abril. No total, esse grupo repassou R$ 2 milhões a
Queiroz entre 2007 e 2018.
Contudo, os promotores escrevem que o ex-assessor de Flávio sacou R$
2,9 milhões no período, indicando que o volume entregue a ele pode ser
maior. As quebras de sigilo atingiram 78 ex-servidores da Assembleia
ligadas a Flávio, segundo o MP-RJ.
A petição deste mês do Gaecc também indica como os promotores devem
vincular os pagamentos em espécie feitos por Queiroz para Flávio com o
esquema da rachadinha.
Ao analisar a quitação de boletos de mensalidade escolar e plano de
saúde em nome do senador, os investigadores apontam para o fato dele e
da mulher não terem realizado saques no período correspondentes.
Até 2015, Flávio não tinha outra fonte de renda além do salário da
Assembleia depositado em conta. Foi neste ano que o senador abriu sua
loja de chocolate, estabelecimento que costuma receber pagamentos em
espécie e é apontada como uma outra forma de lavar dinheiro da
rachadinha. A outra é a compra e venda de imóveis, segundo o MP-RJ.
A explicação ainda não apresentada é o benefício recebido por Queiroz
para ser um operador do esquema. A última petição do MP-RJ à Justiça dá
uma sinalização ao dizer que Márcia Aguiar, mulher do ex-assessor de
Flávio, e uma vizinha não identificada cediam seus dados em troca de uma
espécie de “mesada”.
Outra questão que advém deste questionamento é sobre onde Queiroz
guardava ou investia seu dinheiro em espécie. Sua mulher obteve R$ 174
mil em espécie, segundo os investigadores de origem desconhecida. O
valor foi usado para pagar o tratamento do PM aposentado.
As transações financeiras de Queiroz e o miliciano Adriano da Nóbrega
devem ser também mais detalhadas. O MP-RJ estimou que o PM aposentado
recebeu mais de R$ 400 mil do ex-colega de farda, sem detalhar a fonte
de todo os recurso no pedido de prisão. No documento, porém, os
promotores ressaltaram o que consideram uma “influência sobre
milicianos” de Rio das Pedras.
As provas até aqui recolhidas não indicam a participação do senador
na tentativa de dificultar as investigações, o que inviabilizaria algum
pedido de prisão.
A polícia apreendeu dois celulares com Queiroz e um com o advogado
Luis Botto Maia, muito ligado ao senador. O resultado dessa análise pode
vir a levantar o questionamento sobre eventual continuidade delitiva de
Flávio, o que poderia levar o caso à Procuradoria-Geral da República,
em razão do foro especial.
O senador é investigado em primeira instância porque os fatos não tem relação com o cargo que ocupa atualmente.
A apuração contra Flávio começou em janeiro de 2018, quando um
relatório do Coaf apontou uma movimentação financeira considerada
atípica nas contas bancárias de Queiroz de R$ 1,2 milhão entre janeiro
de 2016 e janeiro de 2017.
Além do volume movimentado, chamou a atenção a forma com que as
operações se davam: depósitos e saques em dinheiro vivo em datas
próximas do pagamento de servidores da Assembleia.
Queiroz faltou a quatro depoimentos marcados no Ministério Público
entre novembro de 2018 e janeiro de 2019 para explicar sua movimentação
financeira. Após faltar às oitivas, afirmou que iria se submeter uma
cirurgia em decorrência de um câncer no intestino e nunca mais foi
localizado até o dia de sua prisão.
Numa manifestação escrita em fevereiro de 2019, o PM aposentado
afirmou que recebia parte dos valores dos salários dos colegas de
gabinete. Ele disse que usava esse dinheiro para remunerar assessores
informais de Flávio, sem conhecimento do então deputado estadual. A sua
defesa, contudo, nunca apontou os beneficiários finais dos valores.
Jair Bolsonaro e Queiroz se conhecem desde 1984. Queiroz foi recruta
do agora presidente na Brigada de Infantaria Paraquedista, do Exército.
Depois, Bolsonaro seguiu a carreira política, e Queiroz entrou para a
Polícia Militar do Rio de Janeiro, de onde já se aposentou.
Queiroz, que foi nomeado em 2007 e deixou o gabinete de Flávio no dia
15 de outubro de 2018, é amigo de longa data do atual presidente. Entre
as movimentações milionárias que chamaram a atenção na conta de Queiroz
está um cheque de R$ 24 mil repassado à primeira-dama, Michelle
Bolsonaro.
Segundo o presidente, esse montante chegava a R$ 40 mil e o dinheiro
se destinava a ele. Essa dívida não foi declarada no Imposto de Renda.
Bolsonaro afirmou ainda que os recursos foram para a conta de Michelle
porque ele não tem “tempo de sair”.
Flávio e Queiroz...
FOLHAPRESS
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