O presidente da Fundação Cultural Palmares, Sérgio Camargo,
classificou o movimento negro como “escória maldita”, que abriga
“vagabundos”, e chamou Zumbi de “filho da puta que escravizava pretos”. A
portas fechadas, Camargo também manifestou desprezo pela agenda da
“Consciência Negra”, se referiu a uma mãe de santo como “macumbeira” e
prometeu botar na rua diretores da autarquia que não tiverem como “meta”
a demissão de um “esquerdista”.
As afirmações do presidente da Fundação Palmares foram feitas durante
reunião com dois servidores, no dia 30 de abril. O Estadão teve acesso
ao áudio da conversa e apurou que o encontro ocorreu, na tarde daquele
dia, para tratar do desaparecimento do celular corporativo de Camargo.
Ao ser cobrado pelo ressarcimento do telefone, ele ficou irritado e
alegou que o aparelho sumiu no período em que estava afastado do cargo,
por decisão judicial.
No diálogo, Camargo diz que havia deixado o celular numa gaveta da
fundação e insinua que o furto pode ter sido proposital, com o intuito
de prejudicá-lo. É nesse momento que ele se refere ao movimento negro de
forma pejorativa.
“Eu exonerei três diretores nossos (…). Qualquer um deles pode ter
feito isso. Quem poderia? Alguém que quer me prejudicar, invadir esse
prédio para me espancar, invadir com a ajuda de gente daqui… O movimento
negro, os vagabundos do movimento negro, essa escória maldita”, disse o
presidente da Fundação Palmares. “Agora, eu vou pagar essa merda aí”,
completou, numa referência ao telefone.
Aos dois servidores, um deles coordenador de gestão, Camargo afirmou
ter sido afastado do comando da Palmares, durante três meses, por uma
liminar que censurou suas opiniões em redes sociais. Na época, a Justiça
considerou suas declarações, minimizando o crime de racismo,
incompatíveis com o cargo. Camargo contou que, por causa da suspensão,
teria de devolver o salário de dezembro de 2019 e tentaria parcelar o
débito em dez vezes, pois havia contraído cerca de R$ 50 mil em dívidas.
Logo depois, ameaçou fazer retaliações.
Entre um palavrão e outro, o presidente da Fundação Palmares
assegurou que o processo para tirá-lo do comando da autarquia “não vai
dar em nada” porque teria havido “usurpação” do poder do presidente Jair
Bolsonaro. “Esses filhos da puta da esquerda não admitem negros de
direita. Vou colocar meta aqui para todos os diretores, cada um entregar
um esquerdista. Quem não entregar esquerdista vai sair. É o mínimo que
vocês têm que fazer”, advertiu.
Sob o argumento de que suas opiniões refletem “liberdade de
expressão”, Camargo mais uma vez criticou Zumbi dos Palmares, que dá
nome à autarquia. “Não tenho que admirar Zumbi dos Palmares, que, para
mim, era um filho da puta que escravizava pretos. Não tenho que apoiar
agenda consciência negra. Aqui não vai ter, vai ter zero da consciência
negra. Quando cheguei aqui, tinham eventos até no Amapá, tinha show de
pagode no dia da consciência negra”, protestou.
O Ministério Público Federal (MPF) encaminhou representação à
Procuradoria da República no Distrito Federal, no mês passado, pedindo
que o presidente da Fundação Palmares responda na Justiça por
improbidade administrativa. A iniciativa foi tomada depois de Camargo
ter determinado, no dia 13 de maio – data em que a abolição da
escravatura completou 132 anos –, a publicação de uma série de artigos
depreciativos sobre Zumbi, símbolo do movimento negro no Brasil, no site
oficial da instituição e nas redes sociais.
No áudio ao qual o Estadão teve acesso, Camargo também se referiu a
uma mãe de santo como “macumbeira” e avisou que não daria verba para
terreiros, numa alusão a locais usados para cerimônias de candomblé e
outras religiões de matriz africana. “Tem gente vazando informação aqui
para a mídia, vazando para uma mãe de santo, uma filha da puta de uma
macumbeira, uma tal de Mãe Baiana, que ficava aqui infernizando a vida
de todo mundo”, disse ele, numa referência a Adna dos Santos.
Conhecida como Mãe Baiana, Adna é uma das lideranças mais atuantes do
candomblé no Distrito Federal. “Não vai ter nada para terreiro na
Palmares enquanto eu estiver aqui dentro. Nada. Zero. Macumbeiro não vai
ter nem um centavo”, garantiu Camargo. Em outro trecho da gravação, ele
trata com desdém a cultura afrodescendente. “Eu não vou querer emenda
dessa gente aqui. Para promover capoeira? Vai se ferrar”, esbravejou.
Escolhido por Bolsonaro em novembro do ano passado, o presidente da
Fundação Palmares teve a nomeação suspensa pelo Tribunal Regional da 5.ª
Região após defender a extinção do movimento negro e dizer, entre
outras coisas, que o Brasil tem um “racismo nutella”. Em fevereiro,
porém, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) acatou recurso da Advocacia
Geral da União e ele pôde assumir o cargo. Organizações do movimento
negro acionaram, então, a Defensoria Pública da União (DPU), que
recorreu da decisão ao STJ, protocolando ação civil pública contra a
nomeação.
Na reunião de 30 de abril, Camargo afirmou que a Defensoria Pública
da União é um órgão “totalmente aparelhado”. “Essa miserável da DPU está
com recurso no STJ para tentar me tirar daqui de novo. E o caso segue
sub judice. Totalmente aparelhado, totalmente de esquerda”, criticou o
dirigente. Na sequência, um de seus interlocutores disse que a DPU é “o
PSOL do Ministério Público”.
Discípulo do escritor Olavo de Carvalho, guru do bolsonarismo,
Camargo se apresenta no Twitter como um “negro de direita,
antivitimista, inimigo do politicamente correto, livre”. Jornalista de
formação, ele coleciona polêmicas. Em um post recente, após o
assassinato de George Floyd — vítima da brutalidade policial
norte-americana –, Camargo afirmou, por exemplo, que “nosso inútil
movimento negro tenta importar para o Brasil os atos anarquistas e
criminosos do Black Lives Matter, a antifa negra dos EUA”.
Além de já ter considerado a escravidão como “benéfica para os
descendentes”, Camargo sempre negou a existência do racismo no Brasil e
chamou as cotas raciais de “um absurdo”. Em mais de uma ocasião, o
presidente da Fundação Palmares descreveu o Dia da Consciência Negra,
celebrado em 20 de novembro, como sendo uma data da qual a esquerda se
apropriou para propagar vitimismo e ressentimento racial.
Em nota divulgada nesta terça-feira, 2, Camargo disse que a gravação
da reunião de 30 de abril foi “ilegal”. Afirmou, ainda, que a Fundação
Palmares está em “sintonia” com o governo Bolsonaro e sob novo modelo de
comando, voltado para a população (…) “e não apenas para determinados
grupos que, ao autointitularem, representantes de a toda população
negra, histórica e deliberadamente se beneficiaram do dinheiro público”.
Neste trecho abaixo, Sérgio Camargo afirma que a Defensoria Pública
da União (DPU) é um órgão “miserável” e “totalmente aparelhado,
totalmente de esquerda”. A DPU recorreu ao Superior Tribunal de Justiça
(STJ) contra a liberação de Camargo para assumir o atual posto. O
presidente da Fundação Palmares também chama Zumbi, que dá nome à
instituição que comanda, de “um filho da puta que escravizava pretos”.
Abaixo, trecho no qual Sérgio Camargo chama uma mãe de santo de
“macumbeira”. E fala que “não vai ter nada para terreiro” , uma
referência às religiões de matriz africana, enquanto ele presidir a
Fundação Palmares. “Macumbeiro não vai ter nem um centavo”.
Abaixo, trecho no qual Sérgio Camargo fala que a sua suspensão da
presidência da Fundação Palmares foi uma intromissão indevida e compara
com situação da tentativa de nomeação de Alexandre Ramagem como
diretor-geral da PF, que acabou barrada pela Justiça. Também diz que vai
colocar meta para diretores “entregarem” pelo menos “um esquerdista”
cada para ser demitido, exonerado ou transferido da fundação.
O presidente da Fundação Palmares, Sérgio Camargo, lamenta a
gravação ilegal de uma reunião interna e privada. Assim, reitera que a
Fundação, em sintonia com o Governo Federal, está sob um novo modelo de
comando, este mais eficiente, transparente, voltado para a população e
não apenas para determinados grupos que, ao se autointitularem
representantes de toda a população negra, histórica e deliberadamente se
beneficiaram do dinheiro público.
“Infelizmente, ainda existem, na gestão pública, pessoas que não
assimilaram esta mudança e tentam desconstruir o trabalho sério que está
sendo desenvolvido. Seguimos firmes em prol do Brasil e dos
brasileiros!” (Sérgio Camargo)
Pense num caba zero.
Estadão Conteúdo
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