Carlos Fernando dos Santos Lima se aposentou em março passado, após 25 anos no Ministério Público Federal.
Desde então, o ex-procurador da República tem se ocupado da reforma no
escritório de 100 metros quadrados que pretende inaugurar em Curitiba.
“Estava começando a buscar clientes na área de compliance [medidas anticorrupção], mas infelizmente veio a pandemia”.
Carlos Fernando esteve na origem da Operação Lava Jato,
em 2014, e foi um dos líderes da força-tarefa de Curitiba até 2018. Por
causa desse passado como investigador, diz que não atuará na área
criminal. “Não posso ser um criminalista para desdizer aquilo que eu
sempre disse. Procurei uma área que não ofenda o meu passado.”
A preocupação com a reputação da investigação que atuava na linha de
frente transparece ao falar do ex-juiz federal Sergio Moro, que abandonou a magistratura e a Lava Jato para integrar o governo do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) como ministro da Justiça.
“Pessoalmente eu manifestei a ele minha dúvida sobre se seria uma
decisão correta”, diz. “Eu vejo que num certo momento ela custou muito
caro para a Lava Jato, obviamente, como movimento, porque contaminou uma
discussão política desnecessária.”
Carlos Fernando considera Bolsonaro a pior pessoa para presidir o
país neste momento e só vê um remédio para a situação atual. “Acho que a
solução em relação a Bolsonaro é o impeachment. Para mim ele já cometeu crimes de responsabilidade muito maiores e mais graves que a Dilma.”
Como o senhor vê a atual situação do país, enfrentando pandemia e crises econômica e política simultaneamente? Eu
acho que a pandemia veio para exacerbar os problemas que nós já
tínhamos. O problema político ele já existe, ele é inerente a certos
erros da Constituição de 88, que levou ao presidencialismo de coalizão e a um excesso de partidos. Infelizmente hoje não é o momento para discutir isso.
Segundo, nós tivemos o azar de ter a pior pessoa possível neste
momento na Presidência da República. Bolsonaro é incapaz de assumir o
preço de governar. Nesse atual momento de pandemia, governar é tentar
salvar vidas humanas. Ele quer transformar esse fato da natureza numa
questão política, jogar o custo dela em cima de governadores e
prefeitos. Falta para ele qualquer capacidade mínima para liderar um
país num momento difícil.
Como o senhor vê os atos do presidente de desrespeitar orientações de organismos de saúde? Ele
não segue as orientações do seu próprio governo e sabota a tentativa de
outros que estão tentando fazer o mínimo para diminuir o custo dessa
pandemia.
Ele também incentiva atitudes como armar a população. Imagine nessa
situação em que temos dificuldade de controlar pessoas que se acham no
direito de fazer valer as suas opiniões de forma violenta, se nós
armássemos a população? Nós teríamos milícias enfrentando milícias. O
que também viola qualquer pacto constitucional.
Bolsonaro está numa política que é genocida e contraria a
Constituição Federal. Eu acho que a solução em relação a Bolsonaro é o
impeachment. Para mim ele já cometeu crimes de responsabilidade muito
maiores e mais graves que a Dilma.
O presidente Bolsonaro foi eleito dizendo que iria por em prática
uma nova política. Agora, porém, ele se aliou ao centrão. Como o senhor
vê investigados da Lava Jato participando deste governo? O problema
do discurso da nova política é que ele é populista em certos termos,
porque nosso problema não é uma vontade pessoal de um governante. O
nosso problema é o presidencialismo de coalizão, a ausência de partidos
democráticos e transparentes em número mínimo que permita que se forme
maiorias estáveis, sem precisar daquele toma lá dá cá que o centrão faz.
O Bolsonaro fez um discurso que ele mesmo sabia que ele não iria cumprir.
Eu creio que Bolsonaro é essencialmente um mentiroso, mas um mentiroso
que mente de forma tão convictamente que ele acredita na própria mentira
até o momento em que a desdiz.
A Lava Jato teve papel atuante durante o impeachment da presidente
Dilma, sobretudo quando do impedimento da nomeação do ex-presidente
Lula para Casa Civil. Durante as eleições, foi divulgada a delação do
Antonio Palocci, que atingia o candidato petista à Presidência. As
investigações da Lava Jato de alguma forma contribuíram para a eleição
do atual presidente? Essa é uma questão interessante. Eu vejo ela de
uma maneira muito mais complexa. Quando você tem um fato —e eu pergunto
assim para o jornalista— você tem uma investigação jornalística
completa, que não é definitiva porque vai se submeter a outras
investigações, mas você tem fatos que vão influenciar um determinado
episódio, por exemplo a eleição, agir ou não agir é uma decisão
política. Muito difícil, porque agir ou não agir vai influenciar a
situação.
Dar conhecimento ou não para a população determina resultados
diferentes. Você não tem o que fazer, por isso eu digo que a posição do
Ministério Público Federal sempre foi de revelar tudo no momento em que
aquilo deixe de ser útil para as investigações, porque a população tem
que saber.
Agora, Bolsonaro evidentemente surfou na onda anticorrupção. A onda
não é responsável pelo surfista. Se há alguém responsável pelo fenômeno
Bolsonaro, chama-se Luiz Inácio Lula da Silva.
Por dois motivos. Porque vendeu a esperança que o povo depositou no
Partido dos Trabalhadores em troca da manutenção do poder através da
utilização sistêmica da corrupção política. E elegeu o Bolsonaro quando o
escolheu como adversário ideal. Uma polarização que eliminou o centro
democrático.
A Lava Jato teve resultados muito mais tímidos durante o governo Bolsonaro do que nos governos do PT e de Michel Temer. Por quê? Eu
sempre falei internamento que operação é como um avião. Precisa ter um
plano de voo. Tem um momento em que ela vai arrancar, ganhar velocidade,
vai alçar voo, se não for abatida ganha altura, atinge voo de cruzeiro,
mas toda operação tem que descer, tem que saber como descer. Porque se
você não sabe como aterrissar o seu destino é cair. Toda operação vai
minguar, porque os assuntos investigados não são eternos.
Moro deixou a magistratura para integrar o governo Bolsonaro. Como o senhor viu essa decisão? Pessoalmente
eu manifestei a ele minha dúvida sobre se seria uma decisão correta. Eu
manifestei que eu tinha dificuldade com esse governo. Eu vejo que, num
certo momento, ela [decisão de Moro] custou muito caro para a Lava Jato,
obviamente, como movimento, porque contaminou uma discussão política
desnecessária.
Mas eu acho que a esperança de mudança passa por uma mudança legislativa. Nós da Lava Jato sempre soubemos disso. O Sergio Moro acreditou nesta mudança. Mas desde o episódio da 'rachadinha' me pareceu claro que o Bolsonaro não tinha compromisso com essa mudança.
Como o senhor esta vendo o papel de Augusto Aras na Procuradoria-Geral da República? Eu sou crítico ao papel dele.
Eu creio que existe uma corrida pelo STF [Supremo Tribunal Federal] e
nós estamos numa crise das nossas instituições democráticas tão grande
que as coisas estão sendo usadas.
Antigamente existia isso de uma forma velada, mas hoje é absurda a
corrida para agradar Bolsonaro. O que está havendo é um verdadeiro
aparelhamento da Procuradoria-Geral da República em relação ao interesse
dessas pessoas em atingir a cadeira do ministro Celso de Mello [que se
aposenta neste ano] e as outras cadeiras que vão abrir no futuro.
O presidente Bolsonaro se escora num suposto apoio dos militares para o enfrentamento com outros poderes. O senhor considera a possibilidade de um golpe militar? Eu
acreditava que não. Eu não consigo entender que uma instituição que
deveria ter aprendido muito com o que aconteceu durante a ditadura, que
fosse liderada num momento histórico tão grave por uma pessoa que não
representa os valores básicos das Forças Armadas. Entretanto, de
repente, por conta dessa polarização política, por conta de movimentos
equivocados e até por conta dessa posição ideológica da hierarquia,
‘mesmo que eu caminhe para o meio do inferno eu vou junto porque ele é o
meu chefe hierárquico’. Infelizmente está levando os militares para um
caminho e manifestações equivocados.
Carlos Fernando dos Santos Lima, 56
- Em 1991 ingressou no Ministério Público do Paraná
- Entrou no Ministério Público Federal em 1995
- Entre 2003 e 2006 atuou na Operação Banestado, que combateu crimes financeiros
- Foi um dos líderes da força-tarefa da Operação Lava Jato, entre 2014 e 2018
- Aposentou-se em março de 2019
Verdades na pauta...Folha de SP
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