Doutora em Educação pela PUC-Rio, Andrea Ramal tem acompanhado o
esforço de escolas, pais e alunos para se adaptarem ao universo on-line
na pandemia. E adverte: no primeiro momento, cuidar do emocional dos
estudantes será um desafio maior do que verificar o quanto vêm
aprendendo ou adotar o ensino híbrido, aliando (para valer) os modelos
presencial e à distância.
Como avaliou a adaptação das escolas à pandemia?
O que aconteceu até o momento foi na base do improviso. O professor
foi dormir como profissional presencial e acordou on-line. O que tem
acontecido neste trimestre não é educação à distância, é ensino remoto.
Educação à distância tem metodologias, estratégias e materiais
específicos, frutos de estudos e experiências de vários anos. Os
professores, na maioria das vezes, começaram a fazer videoaulas, e houve
casos de escolas que se limitaram a passar tarefas que não são da
educação à distância formal. Acredito que foi apenas uma maneira que se
encontrou de manter as mentes dos alunos ativas e o vínculo com a
escola. Mas de maneira nenhuma podemos considerar as matérias deste
período como dadas. Na volta, terão que ser feitas avaliações com os
alunos, não para valer nota, mas como diagnóstico. E então se trabalhar
de forma personalizada. Certamente houve alunos que conseguiram
aproveitar, e outros não.
Na prática, o que diferencia o ensino remoto do à distância?
Na educação à distância, uma coisa muito importante é estabelecer
comunidade virtual, criar sentimento de pertencimento, promover troca de
experiências. Cuida-se mais do emocional dos alunos, para que não se
sintam sozinhos. Existem ferramentas e ambientes virtuais para isso. Mas
principalmente os professores precisam saber fazer. O que aconteceu foi
muito isolado, com pouca criação de grupo e interação. Outra diferença
são os materiais. Existe um profissional que se chama desenhista
instrucional, que constrói material pensando no aluno à distância. Ele
usa uma série de técnicas didáticas para isso. Na quarentena, o material
foi basicamente o mesmo que seria dado em uma aula presencial. Para
aprender à distância, é preciso ter muita disciplina, autonomia,
motivação. Em faculdades, foram feitos estudos com professores com bons
resultados. Um deles começava a aula comentando o noticiário. Os alunos
participavam, e o engajamento aumentou. Quem não entrava passou a
entrar. Não houve evasão; houve mais estudo, desempenho melhor. Um
aprendizado que não foi de solidão.
O que faltou aos colégios então foi tempo para treinar os professores, uma vez que as plataformas já existem?
Existem plataformas gratuitas, como a Moodle, a mais usada no mundo.
Deste período, se a gente pode tirar algo positivo, é esse choque de
realidade para as escolas, de que não se pode pensar mais o ensino de
forma só presencial, tem que capacitar os professores, porque o futuro
do ensino é híbrido. Mesmo sem pandemia, já deveríamos estar trabalhando
desta forma. Os alunos amam tecnologia. Há o desafio de a maioria dos
professores ter nascido quando a tecnologia não era ainda a base de
tudo. Temos professores da geração X dando aulas para alunos da Y e da Z
e até para essa que ainda não tem nome e nasceu já num mundo
completamente tecnológico. É muito importante aproveitarmos esse sinal
de alerta.
Qual é o papel da família neste momento?
É fundamental. Determina o que funcionou ou não até agora. Quem
acompanhou os estudos dos filhos contribuiu para melhores resultados. E
há quem aproveite outras situações da casa para estimular a criança,
como fazê-la calcular os ingredientes de uma receita de bolo. Mas a
família não pode saber tudo sozinha. As escolas deveriam tê-las
capacitado com videoaulas também. Algumas o fizeram, mas a maioria
deixou as famílias à deriva. As escolas largaram tanto que (o
aproveitamento) ficou dependendo da formação dos pais. O lado positivo é
que as famílias vão ficar mais conscientes do seu papel. Algumas
fizeram isso (esse acompanhamento) pela primeira vez. As pesquisas
mostram que o envolvimento dos pais melhora a nota e diminui a
reprovação.
Qual o maior impacto do isolamento para o aluno?
O que pesa mais é o lado psicológico. Sabemos, por estudos da
neurociência, que você só aprende com motivação e, a longo prazo, quando
mexe com a emoção. E acho que não estamos conseguindo ter isso nesta
pandemia: envolvimento, cuidado com a solidão, com a tensão de quem vai
fazer Enem. Quando os alunos voltarem para a escola, o aprendizado não
estará tão prejudicado, porque crianças e jovens têm a mente muito
disposta a aprender. Mas há o risco de o jovem não querer voltar a
estudar. No Brasil, em especial nas escolas públicas, há muita evasão no
ensino médio. Ter cuidado com isso é fundamental.
É o caso de repensarmos reprovações este ano?
Com certeza. Os ciclos escolares não precisam coincidir com nosso ano
civil. Você não precisa aprender tudo até dezembro. Não importa se eu
estou no 5º ou no 6º ano. O que importa é desenvolver certas
competências para a vida, a universidade, o ensino técnico ou o que for.
Neste momento, deveríamos esquecer este número arbitrário e tratar das
competências a médio prazo. Seria uma aprovação automática, mas bem
feita, com uma ficha de acompanhamento para cada aluno, sabendo o que
ele ainda precisa desenvolver.
Qual a sua opinião em relação ao Enem deste ano?
A desigualdade é muito grande. Há alunos que não têm internet boa ou
computador, ou só têm um computador para a família toda, ou não têm
ambiente em casa para estudar. A gente pode dizer que o Enem nunca foi
em igualdade de condições, mas realizá-lo como se nada tivesse
acontecido seria acirrar ainda mais as injustiças.
Andrea Ramal, especialista em educação, fala sobre escolas na pandemia.
O Globo
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