Palavrões, briga de ministros, anúncio de distribuição de cargos para o Centrão e ameaça do presidente Jair Bolsonaro de
demissão “generalizada” a quem não adotasse a defesa das pautas do
governo. De acordo com participantes na reunião citada por Sérgio Moro, ex-titular da pasta da Justiça e Segurança Pública, é este o conteúdo do vídeo requisitado pelo ministro Celso de Mello, do Supremo Tribunal Federal, e que o Palácio do Planalto quer evitar divulgar na íntegra.
Na tarde desta quinta-feira, 7, a Advocacia-Geral da União pediu ao
decano pra enviar somente trechos da reunião de 22 de abril, que sejam
ligadas ao Moro e Bolsonaro. Segundo o ex-ministro, na ocasião o
presidente o pressionou na frente dos colegas a trocar o comando da
Polícia Federal.
Na noite de quarta-feira, 6, o governo pediu que Celso de Mello
reconsiderasse o pedido do vídeo por se tratar de “assuntos sensíveis de
Estado.” Conforme o Estadão informou, o Planalto
também cogitou alegar não ter o conteúdo na íntegra mas apenas trechos
da reunião, pois as gravações são “pontuais e curtas”.
O encontro de cerca de duas horas, cujos bastidores hoje mobilizam
Brasília, ocorreu no terceiro andar do Palácio do Planalto, dois dias
antes da demissão de Moro, e é considerado o mais tenso do governo até
aqui. A agenda com o presidente foi convocada inicialmente para
apresentação do programa Pró-Brasil, de recuperação econômica, e teve a participação de 26 autoridades, incluindo o vice Hamilton Mourão, todos os ministros e presidentes dos bancos. Outros auxiliares diretos de Bolsonaro também acompanharam.
Em relatos reservados, dois ministros disseram ao Estadão que
a ameaça de demissão não foi direcionada ao ex-juiz da Lava Jato, mas
foi um recado a todos os integrantes do primeiro escalão. Segundo
participantes do encontro, o presidente cobrou alinhamento às pautas
dele e cumprimento irrestrito de suas ordens.
Foi neste contexto, sempre de acordo com os relatos feitos ao Estadão,
que Bolsonaro pediu acesso às informações de inteligência. À
reportagem, presentes na reunião evitaram confirmar se o presidente
exigiu a troca do comando da PF. Dois deles alegaram não “se lembrar.”
No entanto, de acordo com um dos participantes, o presidente disse
que quem não estivesse satisfeito poderia ir embora. Outro auxiliar
disse que Bolsonaro falou poderia demitir quem quisesse.
A cobrança de Bolsonaro a seu primeiro escalão foi feita com muitos
palavrões. Apesar disso, auxiliares observam que é comum o presidente,
às portas fechadas e à vontade, usar termos que não atendem aos bons
modos. Nestas ocasiões, para evitar vazamentos, todos os participantes
são obrigados a deixar o celular do lado de fora da sala. O único que
costuma ser exceção é o ministro-chefe do Gabinete de Segurança
Institucional (GSI), Augusto Heleno. Já o telefone do presidente costuma ficar nas mãos de um ajudante de ordens.
Fotos feitas pela Secretaria Especial de Comunicação (SECOM) da
reunião do dia 22 de abril mostram os participantes com as feições
cerradas. Em várias delas, Moro está com os braços cruzados e o
semblante tenso. Pelos registros, é possível verificar que há uma câmera
de vídeo no local.
Até agora a Secom não respondeu os questionamentos sobre a existência
do vídeo. Nos bastidores, auxiliares do Planalto passaram a alegar que
só havia trechos pontuais da gravação. O argumento confronta uma
declaração do próprio presidente que, no dia 28 de abril, admitiu que os
encontros do primeiro escalão são filmados, e os vídeos guardados em um
cofre. Bolsonaro chegou a prometer que divulgaria o vídeo da reunião
com Moro para mostrar como ele trata os ministros, mas dois depois
recuou alegando que recebeu o conselho para “não divulgar para não criar
turbulência.
Outro “assunto sensível” tratado pelo presidente, que também poderia
ser motivo de “turbulência”, foi aproximação do governo com líderes dos
partidos do centro. Bolsonaro comunicou que entregaria cargos às
legendas e provocou reações. Moro, segundo o Estado apurou, teria
demonstrando discordância.
O encontro foi convocado para a apresentação do Pró-Brasil, programa
de recuperação econômica anunciado pelo ministro-chefe da Casa Civil,
Walter Braga Netto, com o incentivo do ministro do Desenvolvimento
Regional, Rogério Marinho, e sem o aval do ministro da Economia, Paulo
Guedes.
Diante dos colegas de Esplanada, Guedes e Marinho se desentenderam
sobre gastos públicos para incentivar a retomada da economia após o fim
da pandemia da coronavírus. Marinho disse Guedes era apegado a dogmas. O
ministro da Economia, por usa vez, respondeu dizendo que tinha estudado
o que ninguém estudou. E acrescentou que que o plano Pró-Brasil era
“completamente maluco”. Na mesma oportunidade, o ministro da Educação,
Abraham Weintraub, teria feito duras críticas ao ministro do STF.
O pedido do vídeo foi deferido por Celso de Mello, na terça-feira,
dia 5, no inquérito que apura as acusações do ex-ministro Sérgio Moro de
tentativa de ‘interferência política’ de Bolsonaro no comando da
Polícia Federal.
Foram citados o chefe da Secom, Fabio Wanjgarten, o chefe da
assessoria especial da Presidência, Célio Faria Junior, e o
ministro-chefe da Secretaria-Geral, Jorge Oliveira, que obriga a
apresentar as gravações. Os três receberam a notificação na
quarta-feira, 6. Faria e Jorge Oliveira alegam que não cabe a eles
gravar ou manter registros de audiovisual das reuniões. A Secom não
respondeu.
Fogo no Planalto...
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