O prefeito de Manaus, Arthur Virgílio Neto (PSDB-AM), diz que a capital do Amazonas
já não vive uma emergência, mas um estado de calamidade. A cidade tem,
até o momento, 1.664 casos de contaminação pelo coronavírus, além de 156
óbitos. O estado tem taxa de ocupação de 91% de seus leitos de UTI,
cálculo que Virgílio considera exageradamente otimista.
Ele revela ao Painel uma outra conta que o assombra: no domingo (19),
17% das 122 pessoas enterradas em Manaus morreram em suas casas. Na
segunda (20), a taxa subiu para 36% dos 106 mortos. "São números que
mostram o colapso. Estamos chegando no ponto muito doloroso, ao qual não
precisaríamos ter chegado se tivéssemos praticado a horizontalidade da
quarentena, no qual o médico terá que se fazer a pergunta: salvo o jovem
ou o velho? ", diz. "Estamos em ponto de barbárie."
Nem todos os casos de mortos citados pelo prefeito receberam até o
momento a confirmação de terem relação com o coronavírus. No entanto,
Virgílio diz acreditar que, sim, a contaminação pelo Covid-19 seria o
motivo.
Virgílio reuniu-se nesta segunda-feira (20) com o vice-presidente,
Hamilton Mourão, para apresentar as demandas da cidade na pandemia.
Pediu aparelhos de tomografia, profissionais treinados, equipamentos de
proteção individual e remédios. "O Tamiflu (nome comercial do
oseltamivir) estamos dando contado", diz.
"O Amazonas pede socorro. SOS Amazonas. Aceitamos voluntários,
médicos, aparelhos que estejam em bom funcionamento ou novos", completa.
Ele diz que escreverá uma carta aos líderes do G20 solicitando ajuda.
Virgílio aproveitou o encontro para desabafar contra Jair Bolsonaro.
Virgílio, cujo pai, o senador Arthur Virgílio Filho, teve o mandato
cassado pela ditadura militar, revoltou-se com a presença do presidente
no ato pró-golpe militar de domingo (19).
"Não podia deixar de condenar o presidente participar de um comício,
aglomerando, e ainda por cima tecendo loas a essa coisa absurda que foi o
AI-5. Cassou meu pai, cassou Mário Covas, pessoas acima de quaisquer
suspeitas, e que serviam o país", disse.
"É de extremo mau gosto o presidente participar de um comício,
insistentemente contrariando a Organização Mundial de Saúde e os
esforços que fazem governadores e prefeitos", disse Virgílio. "Bolsonaro
toca diariamente nas minhas feridas."
Segundo Virgílio, Mourão ouviu calado.
Horas depois do desabafo, Bolsonaro voltaria a incomodar o prefeito ao dizer que não é coveiro após ter sido perguntado sobre o número aceitável de mortes por coronavírus.
"Queria dizer para ele que tenho muitos coveiros adoecidos. Alguns em
estado grave. Tenho muito respeito pelos coveiros. Não sei se ele
serviria para ser coveiro. Talvez não servisse. Tomara que ele assuma as
funções de verdadeiro presidente da República. Uma delas é respeitar os
coveiros", afirma Virgílio. Ao falar sobre esses funcionários, começou a
chorar.
"Não fui criado sob essa lógica do 'homem não chora'. Nessa crise tem
acontecido isso. Às vezes, consigo controlar. Não que precisasse
controlar. Muitas vezes, não consigo", afirma.
Sobre as valas que têm sido abertas pela prefeitura para comportar o
aumento do número de corpos, o prefeito diz que estão sendo usadas
retroescavadeiras para dar conta do serviço.
"Tem ali o retrato da família, põe o retrato da pessoa para poder ser
homenageada em 2 de novembro [dia de finados], para não ficar aquela
coisa que me lembra a ditadura militar, em que a família sabe que morreu
mas não sabe onde está o corpo. É um trabalho incessante para evitar o
caos funerário", diz Virgílio.
Ele explica que os caixões serão colocados próximos uns aos outros,
"bem juntos", mas ressalta que haverá separação entre as valas.
Situação gravíssima...
Folha de São Paulo
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