m meados de abril de 2014, a advogada Karina Kufa, especializada em
direito eleitoral, negociou seus serviços com a campanha de Alexandre
Padilha (PT) ao governo de São Paulo. Ela fora indicada por Gabriela
Araújo, esposa do tesoureiro nacional do PT, Emídio de Souza, de quem
era colega em grupos de advogadas feministas. O partido considerou o
pedido salarial de Karina alto demais e o negócio não prosperou.
Após quatro anos, a advogada paulista de 38 anos, mãe de dois filhos,
estava no outro lado do espectro político – algo normal no direito
eleitoral. Contratada pela campanha de Jair Bolsonaro à Presidência,
tornou-se uma das colaboradoras mais próximas do presidente e foi parar
no meio do fogo cruzado entre o Planalto e o PSL.
Dirigentes do partido, parlamentares e antigos colaboradores de
Bolsonaro atribuem a Karina responsabilidade direta na crise que já se
arrasta por mais de duas semanas. Segundo eles, a advogada ajudou a
fazer a cabeça de Bolsonaro contra o presidente nacional do PSL, Luciano
Bivar; atua para afastar seus desafetos do círculo do poder e usa o
fato de ter bom trânsito nos palácios de Brasília para exercer
influência na capital.
Ela nega e diz que só defende seu cliente da melhor forma possível.
“Estou na defesa do presidente da República e qualquer pessoa no meu
lugar faria o mesmo”, disse ela ao Estado.
O nome de Karina surgiu no imbróglio entre o Planalto e o PSL no
início do mês, quando uma peça com sua assinatura – representando
Bolsonaro e dezenas de deputados do PSL – circulou na imprensa, sem que
tivesse sido protocolada na Justiça. Ela exigia todas as informações de
doadores e de receitas do partido, além de demandar que a direção da
sigla informasse a existência de procedimentos internos para decidir
como os recursos são aplicados.
Mas a participação da advogada na crise começou em fevereiro, com a
queda do então secretário-geral da Presidência, Gustavo Bebianno. Karina
foi parar na equipe de Bolsonaro pelas mãos do coordenador jurídico da
campanha, Tiago Ayres, sobrinho do ex-ministro do Supremo Tribunal
Federal Ayres Britto, que fora contratado por Bebianno. Ayres precisava
de alguém em São Paulo para acompanhar o andamento de um processo
referente ao diretório estadual do PSL e se lembrou de um casal que
conhecera em congressos de advocacia eleitoral, Amilton e sua esposa,
Karina, e decidiu contratá-los.
Dias após a queda de Bebianno, Ayres foi dispensado por meio de uma
mensagem de áudio em seu celular na qual Karina dizia que a partir de
então os processos do presidente ficariam “concentrados” com ela.
Àquela altura Karina já havia se aproximado de Eduardo Bolsonaro e
não dependia de intermediários para chegar ao núcleo do poder. De acordo
com pessoas que acompanharam o processo, Bivar começou a se incomodar
com os pedidos da advogada por contratos com o PSL, principalmente para
fazer o compliance do partido.
Ao Estado, a advogada afirmou que apenas intermediou negociações de
Bolsonaro com o vice-presidente do PSL, Antonio de Rueda, para tentar
encontrar soluções às insatisfações do mandatário, sobretudo em relação a
boas práticas.
Duas reuniões aconteceram no Palácio da Alvorada. Segundo uma fonte,
Bolsonaro ignorou o compliance e começou a criticar o deputado Delegado
Waldir, então líder do partido na Câmara. Conforme Kufa, o advogado
Admar Gonzaga foi incluído para tocar o projeto de compliance interno e
chegou a propor a refundação do partido, com a anuência de Rueda.
O auge da irritação de Bivar, segundo aliados, foi quando a senadora
Selma Arruda (então no PSL e hoje no Podemos-MT) reclamou que Karina não
comparecera ao tribunal para fazer a sustentação oral no julgamento no
qual foi cassada por caixa dois e abuso do poder econômico. A partir de
então, ele cobrou relatórios dos serviços da advogada. O Estado procurou
Selma, mas não a achou.
Relatórios
Depois disso, deputados começaram a passar uma lista na bancada do
PSL que serviria de base para o documento assinado por Karina e revelado
no início do mês. “Luiz Philippe de Orleans e Bragança me ligou dizendo
que mais de 30 deputados estavam insatisfeitos com Bivar”, disse a
advogada.
Adversários de Bolsonaro na disputa interna alegam que o documento
serve para consolidar a narrativa de que a direção partidária persegue
desafetos e não dá transparência às contas. O objetivo real seria abrir
uma janela para que a ala bolsonarista da bancada possa deixar o partido
sem perder os mandatos nem o Fundo Partidário.
Ao Estado, Kufa disse que há possibilidade de uma ação do tipo ter
êxito. Segundo ela, o diretório nacional do partido descumpriu o
estatuto ao não ter apresentado balanços mensais. “O estatuto fala que o
diretório (nacional) tem que prestar contas mensalmente e, como houve
essa ausência, podemos solicitar os documentos”, afirmou.
Pessoas próximas ao presidente avaliam que a estratégia pode ter
levado Bolsonaro a uma armadilha jurídica e política. O estatuto do PSL o
obriga a enviar uma prestação de contas anual à Justiça eleitoral, em
abril, além de mandar balancetes mensais em anos de eleição, nos quatro
meses anteriores e nos dois meses posteriores ao pleito. Perguntada
sobre a acusação de que usa a proximidade com os Bolsonaros para se
cacifar, Karina diz: “Sou uma profissional com respeito dos colegas de
carreira muito antes de ser advogada dos Bolsonaros”.
Karina na pauta.
Registe-se aqui com seu e-mail
ConversãoConversão EmoticonEmoticon