Celebrava-se no início do ano, a posse do Congresso mais renovado das
últimas três décadas. Durou pouco a animação. Os parlamentares parecem
empenhados em revogar o direito do brasileiro ao otimismo. Isso ficou
evidente com a tramitação da proposta que reformula regras eleitorais e
partidárias, permitindo a políticos e partidos gastarem verba pública
como se fosse dinheiro grátis e tornando praticamente impossível a
punição de delinquentes eleitorais. O Parlamento novo era pão dormido.
Dos 513 deputados eleitos no ano passado, 244 sentaram nas poltronas
do plenário da Câmara pela primeira vez nesta legislatura. Um índice de
renovação de 48%. A proposta indecente passou na Câmara por 263 votos a
144. Faltou lembrar na hora de contabilizar a taxa de renovação do
Legislativo que mais da metade dos “novos” deputados eram ex-senadores,
ex-governadores, ex-prefeitos, ex-deputados estaduais, ex-secretários de
Estado. Quer dizer: políticos tradicionais.
O projeto do escárnio foi ao Senado. Ali, estavam em jogo nas
eleições do ano passado 54 das 81 cadeiras. Elegeram-se 46 novatos. Taxa
de renovação de 85%. Um pedaço do “novo” também veio acoplado ao
prefixo “ex”. Apesar de toda a repercussão negativa, a maioria dos
senadores se equipava para aprovar o projeto indecoroso recebido da
Câmara. Foi preciso que o noticiário gritasse e as redes sociais
berrassem para que se produzisse nesta terça-feira algo parecido com uma
meia-volta.
Continua sobre a mesa um debate esquisito sobre a definição do valor
do fundo eleitoral que bancará a eleição municipal do ano que vem. Há
quem queira elevar o gasto de R$ 1,7 bilhão para R$ 3,7 bilhões. Convém
continuar gritando. No limite, o eleitor terá de cobrar dos
parlamentares a aprovação de uma nova Constituição, na versão
simplificada que foi sugerida pelo historiador Capistrano de Abreu,
morto em 1927. Teria apenas dois artigos: Artigo 1º: Todo brasileiro
deve ter vergonha na cara. Artigo 2º: Revogam-se as disposições em
contrário.
QUEREM TRAVAR INVESTIGAÇÕES DA RECEITA
Surgiu na pauta de votações da Câmara mais um projeto duro de roer.
Proíbe auditores da Receita Federal de repassar para o Ministério
Público indícios de crimes descobertos durante uma apuração fiscal
—lavagem de dinheiro e evasão de divisas, por exemplo. Na noite passada,
líderes do centrão e da oposição articulavam-se para votar a novidade
já nesta quarta-feira. O presidente da Câmara, Rodrigo Maia, participa
do entendimento.
Hoje, as informações sobre crimes não tributários são transferidas ao
Ministério Público pelos próprios auditores. Deseja-se atrasar o
processo, burocratizando-o. Vai a voto um texto redigido sob a
coordenação de um dos comandantes do centrão, o deputado Arthur Lira
(AL), líder do PP. Cria mais três instâncias decisórias.
O auditor terá de comunicar sobre os indícios de crime ao Secretário
da Receita Federal. Que submeterá a suspeita à análise de uma comissão
interna. Que requisitará, quando julgar que é o caso, autorização
judicial para o compartilhamento. Só então os dados poderão seguir para o
Ministério Público.
O afunilamento de representações fiscais de todos os estados no
gabinete do chefe da Receita não tem outro objetivo senão o de formar
uma fila capaz de empurrar para as calendas o envio de notificações
sobre crimes para os órgãos de controle. Os auditores estimam que
procedimentos que consomem um mês podem se arrastar por mais de dois
anos —com risco de prescrição.
Congresso na pauta...
JOSIAS DE SOUZA
Registe-se aqui com seu e-mail
ConversãoConversão EmoticonEmoticon