Você já deve ter ouvido a expressão “sexo, drogas e rock and roll”
como afirmação relacionada a uma vida desregrada e comportamento de
liberdade e rebeldia. Eliminando o “rock and roll” da equação, eis a
definição de um comportamento sexual alvo de preocupação de
especialistas: o sexo químico, chemical sex ou chemsex, em inglês.
O termo significa transar sob o efeito de substâncias psicoativas —
ou seja, que agem no sistema nervoso central — tanto para ampliar as
sensações eróticas, quanto para que a relação sexual dure mais. Por essa
razão, especialistas explicam que o comportamento é comum em festas
sexuais ou sessões de sexo em grupo.
A prática coloca o indivíduo em situação de duplo risco, como explica
o psiquiatra Saulo Ciasca, psicoterapeuta especialista em sexualidade
humana, identidade de gênero e orientação sexual. “A pessoa está exposta
tanto ao risco do uso da droga quanto a de ter sexo vulnerável”.
“Tesão aflora, experiência de êxtase”, diz publicitária
A publicitária Fernanda*, 31 anos, é adepta do uso de maconha e de
LSD para transar com sua parceira, Paula*, assistente social, 34 anos.
“Descobrimos isso por acaso, há uns três anos. Com a maconha, ficamos
mais sensíveis ao toque e, assim, o tesão aflora”, explicou para
Universa. “O doce (LSD) traz outra sensação: o corpo fica mais sensível,
o sexo dura mais e temos uma experiência de êxtase, em transe mesmo”.
Ela descreve a mudança que sente em seu próprio corpo durante o sexo
químico. “Sinto meus músculos muito mais relaxados com a cannabis. Já
com o ‘doce’, eles ficam mais rígidos, então o contato entre a gente
precisa ser um pouco mais forte”.
O chemsex é um comportamento sexual mais difundido fora do Brasil do
que por aqui. O primeiro estudo sobre o tema, por exemplo, foi promovido
pelo London School of Hygiene & Tropical Medicine, em 2014, do
Reino Unido.
Na publicação, os pesquisadores apuraram inicialmente que o
comportamento é mais comumente identificado em homens gays e bissexuais.
Tratando o tema como caso de saúde pública, a entidade disse que a
associação direta entre uso de drogas e transmissão do vírus HIV entre
homens que se relacionam com homens pode ser “subjetiva”, mas levantou
que “homens que usam uma variedade de drogas durante o sexo tem maior
probabilidade de relatar o envolvimento em comportamentos de risco de
transmissão do HIV do que os homens que não o fazem”.
Drogas, mistura com Viagra e ‘sexctasy’
Entre as drogas mais comuns, foram citadas a mefedrona, GHB/GBL (ou
ecstasy líquido), cristal de metanfetamina, quetamina e cocaína. Todas
são drogas psicoestimulantes.
Ecstasy (que, para os adeptos da prática, dá origem ao termo
‘sexctasy’), maconha e a mistura de drogas com Viagra — que pode levar a
infarto fulminante, como pondera Saulo Ciasca — também são tipos de
substâncias comuns entre praticantes do sexo químico, em busca de mais
prazer.
Álcool em doses menores, para desinibir e despertar o desejo sexual,
ou em doses maiores, “que podem debilitar a percepção de risco, gerar
depressão, e em alguns casos, até problemas de ereção e dificuldade de
orgasmo feminino e masculino”, diz Ciasca.
Por alterarem o nível de consciência e o funcionamento cognitivo da
pessoa, há a associação dessa prática com os riscos de se fazer sexo
desprotegido, explica o psiquiatra.
“Via de regra, todas acabam delimitando a percepção de risco da
pessoa, que acaba se expondo a situações que a deixam vulnerável”,
explica o psiquiatra. “Estamos falando de doenças, infecções sexualmente
transmissíveis, gravidez indesejada, e também de componentes
emocionais. As pessoas podem se machucar ao fazer coisas que, se
estivessem sóbrias, não fariam”.
Saulo aponta ainda que o uso das substâncias psicoativas com Viagra é uma prática preocupante.
“Nenhum médico recomenda o uso de qualquer droga, porque, de fato,
não é saudável. A junção da substância com o remédio, porém, pode
provocar insuficiência cardíaca, infarto fulminante, arritmia. A
pergunta que fazemos é: será que vale a pena usar mesmo assim?”.
Se o comportamento começou a ficar popular entre homens, hoje já se
expandiu para experiências heterossexuais, segundo o psiquiatra Marco
Scanavino, coordenador do Ambulatório de Impulso Sexual Excessivo e de
Prevenção aos Desfechos Negativos Associados ao Comportamento Sexual, do
Instituto de Psiquiatria da USP.
“Ao praticar sexo químico, a pessoa pode desenvolver uma preferência
muito forte por fazer sexo sob efeito da droga, e começa a ter
dificuldade de se engajar na relação sexual sem o uso disso”.
Há vários fatores relacionados ao comportamento sexual de risco,
baseados nos estudos iniciais. “Há uma associação a pessoas que tenham
sofrido abuso sexual na infância, que tenham elevados níveis de
homofobia internalizado e que apresentem sintomas de depressão”, detalha
Scanavino.
Sexo sóbrio
Preocupada com a popularização do chemsex entre pessoas da comunidade LGBT, a Fundação LGBT, em Manchester, do Reino Unido,
promove campanha de conscientização sobre redução de riscos entre os
participantes e incentivo à prática do sexo sóbrio.
Entre as orientações de redução de risco para quem quer fazer sexo químico estão:
Ser assertivo a respeito do uso de preservativo na relação sexual;
Não compartilhar agulhas para injetar drogas, para evitar a transmissão de vírus HIV e outros vírus;
Tomar Prep (Profilaxia Pré-Exposição ao HIV);
Fazer regularmente teste para Infecções Sexualmente Transmissíveis (ISTs).
Fazer sexo sóbrio, de acordo com a entidade, nem sempre é fácil para
quem praticou o chemsex por muito tempo. Nesse caso, as dicas são:
Identifique seus gatilhos, lugares e pessoas que se associem ao desejo de usar drogas/álcool;
Explore o sexo por conta própria, pensando sobre o tipo de sexo que deseja e o que não deseja;
Fale sobre sexo em conversas sóbrias, escreva sobre sexo e se comunique com o parceiro sobre o tema;
Seja gentil e dê tempo para que a ‘transa sóbria’ se torne um costume na sua vida sexual.
*Os nomes da entrevistada e da parceira foram trocados por nomes fictícios, a pedido da fonte.
Dados na pauta..
Universa – UOL
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