Por volta das 17h50 do último dia 26, o desaparecido mais famoso do
Brasil passou, sem chamar atenção de ninguém, pela porta e se encaminhou
para a recepção do Centro de Oncologia e Hematologia do Hospital Albert
Einstein, em São Paulo. Ali são oferecidos consultas e serviços como
quimioterapia e radioterapia. De boné preto e óculos de grau, o paciente
chegou sem seguranças nem familiares o acompanhando — e ficou sozinho
por lá. Antes do compromisso agendado, fez hora na lanchonete e tomou
café tranquilamente, sem ser importunado por ninguém. Cerca de uma hora
depois, Fabrício Queiroz,
o ex-assessor do senador Flávio Bolsonaro, sumido desde janeiro, deixou
o local. Ao longo dos últimos três meses, VEJA seguiu pistas e
entrevistou dezenas de pessoas para identificar seu paradeiro. Conforme
mostram as fotos desta reportagem, achamos finalmente o desaparecido
mais famoso do país.
Queiroz hoje reside no Morumbi, o mesmo bairro da Zona Sul
de São Paulo onde se encontra o Einstein. A proximidade facilita os
deslocamentos até o hospital, normalmente feitos de táxi ou Uber.
Queiroz, que raramente sai de casa, luta contra o mesmo câncer no
intestino que o levou para a mesa de cirurgia no fim do ano passado,
pouco antes do estouro do escândalo da movimentação suspeita de 1,2
milhão de reais (600 000 entrando e 600 000 saindo) em sua conta na
época em que trabalhava para Flávio Bolsonaro. Sua última aparição
pública foi justamente no Einstein. Em 12 de janeiro, ele postou um
vídeo na internet em que surgia dançando no hospital durante a
recuperação de uma cirurgia. Segundo uma pessoa próxima, a operação não
resolveu o problema do tumor. Um possível agravante é o de que Queiroz
teria se descuidado por um tempo, para dar prioridade nos últimos meses
ao esforço de se manter longe dos holofotes. As “férias” forçadas do
tratamento cobraram um preço: há sinais de que a doença continua
ameaçando perigosamente seu organismo. Um de seus amigos, o deputado
estadual Rodrigo Amorim (PSL-RJ), trocou mensagens com Queiroz há alguns
meses. “Ele escreveu que ainda estava baqueado”, conta. No aspecto
físico, Queiroz não aparenta seu delicado estado de saúde. Está apenas
ligeiramente mais magro do que no ano passado.
Na movimentada seara de escândalos nacionais, Queiroz surgiu como um
cometa e sumiu do espaço sem deixar vestígios. A aparição espetacular,
como se sabe, ocorreu no fim de 2018, a partir do momento em que o
Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) detectou em sua
conta a dinheirama suspeita. A tese do Ministério Público é a de que ela
é fruto de um sistema de coleta e de repasse de dinheiro de
funcionários do gabinete do senador Flávio Bolsonaro, quando o Zero Um
era deputado estadual no Rio de Janeiro. O órgão identificou também
emissão de cheques de Queiroz no total de 24 000 reais para a conta da
então futura primeira-dama Michelle Bolsonaro. O enrolado Queiroz
enrolou-se ainda mais nas explicações. Mencionou em um primeiro momento
lucros de vendas de carros usados e, depois, disse que recolhia parte
dos salários dos funcionários do gabinete a fim de contratar mais gente
para a equipe do chefe, sem conhecimento do próprio. No caso de
Michelle, os depósitos seriam para quitar um empréstimo pessoal
concedido a ele por Jair Bolsonaro. Em público, o clã Bolsonaro procurou
se distanciar do ex-policial, incluindo o presidente, amigão de Queiroz
desde o início dos anos 80, quando se conheceram no serviço militar da
Brigada de Infantaria Paraquedista, no Rio. Tal distanciamento, no
entanto, está mais no terreno da retórica. Foi do entorno de Bolsonaro a
ideia de levar Queiroz para uma entrevista no SBT, no dia 26 de
dezembro, para falar sobre o relatório do Coaf e tentar explicar a
origem do dinheiro. Não convenceu ninguém, e o presidente, em sintonia
com essa percepção, chamou de “roleiro”, em manifestação pública, o
velho amigo de pescarias, churrascos e serviços prestados à família. As
perguntas foram inevitáveis: Queiroz fazia as transações com ou sem a
anuência do filho do presidente? Quais os nomes desses contratados? Não
houve respostas. Pressionado, o ex-assessor decidiu sumir do mapa.
O desaparecimento nos últimos meses fez da pergunta “Cadê o Queiroz?” um bordão popular nas redes sociais e entre políticos da oposição sempre que querem cutucar o presidente. “Cabe a ele explicar. Eu também quero saber onde está o Queiroz”, diz Flávio Bolsonaro, ao ser perguntado sobre o tema. Bolsonaro, o pai, sempre entoou a mesma cantilena, terceirizando a responsabilidade dos problemas ao parceiro de longa data. Segundo um dos boatos surgidos para explicar o desaparecimento, Queiroz estaria escondido, fugindo de ameaças de morte para não abrir a boca. Em outra hipótese, neste caso, na direção contrária, teria sumido para escapar do assédio de pessoas interessadas em depoimentos capazes de incriminar os Bolsonaro. Ganharia em troca o fim das encrencas que enfrenta na Justiça e segurança para sua família.
O desaparecimento nos últimos meses fez da pergunta “Cadê o Queiroz?” um bordão popular nas redes sociais e entre políticos da oposição sempre que querem cutucar o presidente. “Cabe a ele explicar. Eu também quero saber onde está o Queiroz”, diz Flávio Bolsonaro, ao ser perguntado sobre o tema. Bolsonaro, o pai, sempre entoou a mesma cantilena, terceirizando a responsabilidade dos problemas ao parceiro de longa data. Segundo um dos boatos surgidos para explicar o desaparecimento, Queiroz estaria escondido, fugindo de ameaças de morte para não abrir a boca. Em outra hipótese, neste caso, na direção contrária, teria sumido para escapar do assédio de pessoas interessadas em depoimentos capazes de incriminar os Bolsonaro. Ganharia em troca o fim das encrencas que enfrenta na Justiça e segurança para sua família.
Teorias conspiratórias à parte, o desaparecimento do ex-assessor
durante tanto tempo deixou para uma parcela da opinião pública a
impressão equivocada de que ele estaria fugindo da Justiça. O fato é que
não há nenhuma ordem de prisão contra ele nem mesmo uma determinação
para que deponha. Queiroz, sua mulher, suas filhas e Flávio Bolsonaro
alegaram diferentes razões para não comparecer ao MP, mas nenhum deles
foi denunciado à Justiça por isso. Os promotores também não chegaram a
pedir a prisão temporária ou preventiva dos investigados.
Além de Queiroz, outros funcionários do gabinete de Flávio na Assembleia do Rio saíram de cena diante da repercussão do caso. Com os tribunais do Rio sempre contrários à tese de inocência de Flávio Bolsonaro, a defesa apostou suas fichas nas cortes de Brasília. Foram impetrados recursos judiciais no Superior Tribunal de Justiça (STJ) e no Supremo Tribunal Federal (STF). Frederick Wassef, advogado do filho do presidente, alegou a existência de um vício de origem que teria contaminado todo o processo — no caso, o fato de o Ministério Público ter pedido detalhes da movimentação financeira do senador por meio do Coaf antes mesmo de ele figurar oficialmente no rol de investigados.
Essa alegação sofreu sucessivas derrotas até que, em julho passado, o presidente do Supremo, ministro Dias Toffoli, suspendeu todas as investigações criminais que usam, sem autorização judicial, dados detalhados de órgãos como a Receita Federal, o Banco Central e o Coaf. O processo sobre o uso desses dados estava à espera de deliberação do STF desde junho de 2017. Toffoli, no entanto, deu sua decisão oito horas depois de a defesa ajuizar o pedido de suspensão da investigação. Imediatamente, outra suspeita de conspiração ganhou a Praça dos Três Poderes: se no Rio haveria um conluio para fulminar a primeira-família da República, em Brasília haveria um acordo, envolvendo até o Supremo, para blindá-la. Toffoli, obviamente, nega a acusação. O ministro promete levar sua decisão ao plenário do STF até novembro.
De natureza delicada, o caso Queiroz passou a ser prioridade para Jair Bolsonaro antes mesmo de ele tomar posse no Palácio do Planalto. O presidente eleito avaliava que, enquanto a investigação continuasse, ela pairaria como uma sombra sobre o seu mandato, pondo em xeque o discurso de combate à corrupção e atrapalhando a tramitação de projetos considerados prioritários, como a reforma da Previdência. Por isso, o plano de Bolsonaro sempre foi vencer a batalha em duas frentes. No campo jurídico, impedir a condenação do senador Flávio Bolsonaro, acusado de reter e embolsar parte dos salários dos funcionários de seu gabinete quando era deputado estadual no Rio. Na seara política, evitar que a apuração da chamada “rachadinha” seja usada para desgastar o governo e dificultar a sua reeleição. Conhecido por enxergar conspirações por todos os lados, Bolsonaro acredita que setores do Ministério Público e do Judiciário fluminense estão mancomunados para fulminar o seu mandato, em conluio com o governador Wilson Witzel, que tem anunciado aos quatro ventos a intenção de disputar a Presidência em 2022.
Para cuidar do problema, Queiroz ficou internado de 30 de dezembro de 2018 a 8 de janeiro de 2019 no Einstein. Nesse período, submeteu-se à cirurgia conduzida pelo gastroenterologista Pedro Mello Borges, o mesmo especialista que o atende até hoje. Quando recebeu alta do hospital, o jornal O Globo divulgou a informação de que o tratamento de 133 580 reais havia sido pago em espécie. Metade do valor quitou a conta do hospital e o restante do desembolso foi para a equipe médica. Os dados acabaram sendo confirmado pelo advogado dele, Paulo Klein. Na época, o defensor afirmou que não havia nada de ilegal com a transação em dinheiro vivo e que os gastos eram compatíveis com a renda da família de Queiroz, estimada por ele em aproximadamente meio milhão de reais por ano.
O ex-assessor de Flávio Bolsonaro continua tendo acesso ao que há de melhor em termos de medicina para esse tipo de tratamento no Brasil. Tome-se como exemplo a unidade visitada por ele na segunda-feira 26. Inaugurado em 2013, o Centro de Oncologia e Hematologia do Einstein consumiu investimento de 32 milhões de reais em equipamentos. São quatro andares distribuídos por 6 500 metros quadrados. Oferece consultas e serviços na área oncológica, como quimioterapia e radioterapia. De acordo com uma pessoa próxima, Queiroz tem sofrido com novos sangramentos. Na hipótese mais benigna, pode ser culpa de alguma lesão no local, causada por tratamentos anteriores. Outra possibilidade, bem mais preocupante, é a de que seja um sinal da volta do câncer. Procurado por VEJA, Queiroz não quis se pronunciar. Por enquanto, permanece calado. Um silêncio que só traz mais suspeitas sobre ele — e a família do presidente.
Publicado em VEJA de 4 de setembro de 2019, edição nº 2650
Além de Queiroz, outros funcionários do gabinete de Flávio na Assembleia do Rio saíram de cena diante da repercussão do caso. Com os tribunais do Rio sempre contrários à tese de inocência de Flávio Bolsonaro, a defesa apostou suas fichas nas cortes de Brasília. Foram impetrados recursos judiciais no Superior Tribunal de Justiça (STJ) e no Supremo Tribunal Federal (STF). Frederick Wassef, advogado do filho do presidente, alegou a existência de um vício de origem que teria contaminado todo o processo — no caso, o fato de o Ministério Público ter pedido detalhes da movimentação financeira do senador por meio do Coaf antes mesmo de ele figurar oficialmente no rol de investigados.
Essa alegação sofreu sucessivas derrotas até que, em julho passado, o presidente do Supremo, ministro Dias Toffoli, suspendeu todas as investigações criminais que usam, sem autorização judicial, dados detalhados de órgãos como a Receita Federal, o Banco Central e o Coaf. O processo sobre o uso desses dados estava à espera de deliberação do STF desde junho de 2017. Toffoli, no entanto, deu sua decisão oito horas depois de a defesa ajuizar o pedido de suspensão da investigação. Imediatamente, outra suspeita de conspiração ganhou a Praça dos Três Poderes: se no Rio haveria um conluio para fulminar a primeira-família da República, em Brasília haveria um acordo, envolvendo até o Supremo, para blindá-la. Toffoli, obviamente, nega a acusação. O ministro promete levar sua decisão ao plenário do STF até novembro.
De natureza delicada, o caso Queiroz passou a ser prioridade para Jair Bolsonaro antes mesmo de ele tomar posse no Palácio do Planalto. O presidente eleito avaliava que, enquanto a investigação continuasse, ela pairaria como uma sombra sobre o seu mandato, pondo em xeque o discurso de combate à corrupção e atrapalhando a tramitação de projetos considerados prioritários, como a reforma da Previdência. Por isso, o plano de Bolsonaro sempre foi vencer a batalha em duas frentes. No campo jurídico, impedir a condenação do senador Flávio Bolsonaro, acusado de reter e embolsar parte dos salários dos funcionários de seu gabinete quando era deputado estadual no Rio. Na seara política, evitar que a apuração da chamada “rachadinha” seja usada para desgastar o governo e dificultar a sua reeleição. Conhecido por enxergar conspirações por todos os lados, Bolsonaro acredita que setores do Ministério Público e do Judiciário fluminense estão mancomunados para fulminar o seu mandato, em conluio com o governador Wilson Witzel, que tem anunciado aos quatro ventos a intenção de disputar a Presidência em 2022.
Para cuidar do problema, Queiroz ficou internado de 30 de dezembro de 2018 a 8 de janeiro de 2019 no Einstein. Nesse período, submeteu-se à cirurgia conduzida pelo gastroenterologista Pedro Mello Borges, o mesmo especialista que o atende até hoje. Quando recebeu alta do hospital, o jornal O Globo divulgou a informação de que o tratamento de 133 580 reais havia sido pago em espécie. Metade do valor quitou a conta do hospital e o restante do desembolso foi para a equipe médica. Os dados acabaram sendo confirmado pelo advogado dele, Paulo Klein. Na época, o defensor afirmou que não havia nada de ilegal com a transação em dinheiro vivo e que os gastos eram compatíveis com a renda da família de Queiroz, estimada por ele em aproximadamente meio milhão de reais por ano.
O ex-assessor de Flávio Bolsonaro continua tendo acesso ao que há de melhor em termos de medicina para esse tipo de tratamento no Brasil. Tome-se como exemplo a unidade visitada por ele na segunda-feira 26. Inaugurado em 2013, o Centro de Oncologia e Hematologia do Einstein consumiu investimento de 32 milhões de reais em equipamentos. São quatro andares distribuídos por 6 500 metros quadrados. Oferece consultas e serviços na área oncológica, como quimioterapia e radioterapia. De acordo com uma pessoa próxima, Queiroz tem sofrido com novos sangramentos. Na hipótese mais benigna, pode ser culpa de alguma lesão no local, causada por tratamentos anteriores. Outra possibilidade, bem mais preocupante, é a de que seja um sinal da volta do câncer. Procurado por VEJA, Queiroz não quis se pronunciar. Por enquanto, permanece calado. Um silêncio que só traz mais suspeitas sobre ele — e a família do presidente.
Publicado em VEJA de 4 de setembro de 2019, edição nº 2650
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