Carros
de luxo, viagens internacionais em primeira classe, roupas de grife e
um medalhão de ouro 24 quilates no pescoço com o símbolo de um bitcoin.
Nas redes sociais, Philip Han estampa uma vida de “empresário
ostentação“, status que diz ter alcançado graças às suas empreitadas de
sucesso no mundo do marketing de rede, também chamado de multinível.
Marketing multinível é uma modalidade de
negócio que envolve a venda direta de produtos. Além dos próprios
revendedores se engajarem na comercialização, eles constroem redes de
colaboradores associados e passam a receber comissões sobre o
faturamento de todo o grupo.
Segundo investigadores da Polícia Federal e representantes
da Procuradoria da Fazenda, o patrimônio de Han foi construído como dono
de uma empresa de investimentos chamada FX Trading, empreendimento que
promete 1,5% de lucro ao dia para o investidor a partir da compra e
venda de moedas virtuais, como o bitcoin.
A empresa, que opera no modelo de multinível, é investigada
por prática de pirâmide pela polícia e teve sua atividade suspensa pela
Comissão de Valores Mobiliários (CVM) por atuação irregular no mercado
de capitais. Na semana passada, a empresa encerrou a captação. Segundo
relatos de alguns líderes de equipe de invetidores da FX, Han pagou os
investidores menores e tem procurado os principais investidores para
negociar o débito com eles. Ele estaria vinculando o pagamento dos
líderes ao cadastro da rede de parceiros em uma nova empresa, a F2
Trading, lançada na semana passada em Dubai, nos Emirados Árabes.
Aos 37 anos, Philip Han se apresenta como coach de negócios,
coordenador de marketing multinível, palestrante motivacional e,
ultimamente, escritor de autoajuda. Ele prepara o lançamento de seu
primeiro livro, “Vamos Fazer História e Ponto Final”, título que
reproduz o slogan empregado por ele e pelos demais participantes da FX
em eventos e convenções para aumentar essa base de colaboradores.
Paranaense de Foz do Iguaçu, no Paraná, mas falando
português com sotaque estrangeiro, ele tem um currículo construído
dentro da venda direta, com passagens por empresas regionais, pouco
conhecidas, onde teria aprendido artimanhas da gestão e motivação de
vendedores autônomos.
De acordo com a Polícia, Han “estagiou” em outros negócios
de investimento também declarados clandestinos pela CVM e investigados
pela polícia por prática de crime contra a economia popular, como
WCM777, Mr. Link e iFreex. A última rendeu a Han sua primeira ficha
policial.
Outras empresas suspeitas foram analisadas pela reportagem.
A maior parte é tocadas por empresários já conhecidos pela polícia, com
histórico de envolvimento em outras piramides financeiras.
A iFreex teria servido como uma espécie de laboratório para o
modelo atual da FX Trading. A empresa, diz a Polícia Federal, atuava no
ramo de telecomunicações, mas a suspeita é que o objetivo do negócio
era aumentar a base de investidores, não o de escoamento de produtos. Ou
seja, uma pirâmide financeira.
“O negócio deles, basicamente, era um aplicativo de
mensagens, um concorrente similar ao WhatsApp, mas pago. Quem pagaria
por algo que é igual a outro e de graça?”, diz Guilherme Helder,
delegado da Polícia Federal do Espírito Santo, responsável pela Operação
Mintaka, que apura os desvios da empresa. Um inquérito foi instaurado e
está hoje em fase final.
Os dados da investigação, que são públicos, informam que
Philip Han era um dos sócios da empresa, registrada em um paraíso
fiscal. Cerca de mil investidores, a maioria médicos, teriam sido
lesados. Alguns relatam perdas de cerca de R$ 600 mil nesse negócio.
Essa, ainda segundo a polícia, foi a última parada de Philip Han antes de sua aparição meteórica na FX Trading.
“Eu conheci o Philip Han há bastante tempo”, conta um
empresário do ramo de marketing multinível, que pede para não se
identificar. “Sinceramente, já conheci muito picareta e sei identificar
um de longe, mas o Han me surpreendeu. Pareceu um cara super de boa,
família, carismático. Fazia Jeunesse, empresa séria (do ramo de
cosméticos). Parecia ser um cara legal, mas pelo jeito só parecia”, diz.
INVESTIGAÇÃO
Os esquemas de pirâmides financeiras são antigos no Brasil. O
mais famoso talvez tenha sido o da Fazendas Reunidas Boi Gordo, que
prometia lucros fantásticos com a engorda de gado, mas que faliu
deixando um passivo de mais de R$ 4 bilhões e mais de 30 mil pessoas
lesadas.
Agora, a onda parecem ser as pirâmides com criptomoedas,
como o bitcoin. Nos últimos meses, as autoridades têm fechado o cerco
sobre esquemas que, segundo a polícia, atuam como empresas clandestinas
de investimentos. Com ajuda de um grupo anônimo de hackers, formado por
integrantes do mercado de criptomoedas e sob a supervisão de
autoridades, foram identificados mais de 50 esquemas do gênero em
atividade no Brasil. Para as autoridades, a FX Trading, de Philip Han, é
um desses esquemas.
Um desses participantes foi Clarindo Neto, líder de uma das
redes da FX, hoje na F2. “O Philip é o maior líder da empresa e está
bilionário. Isso daqui é um sucesso, é o melhor negócio do mundo para
ganhar dinheiro”, diz, animado com o evento. Ele tinha acabado de chegar
de Cabo de Santo Agostinho, em Pernambuco, na região metropolitana de
Recife. Veio de ônibus a São Paulo para um bate-volta. Retornaria no dia
seguinte. “Vale muito a pena essa viagem. Eu iria até para a China.
Esse negócio vai resolver a minha vida”, afirma. “Sou exemplo. Comecei
com US$ 110 em 24 de dezembro, já tenho uma equipe de 549 pessoas e um
faturamento de R$ 86 mil.”
“Vou te explicar como funciona isso aqui”, diz Roberto, de
Belo Horizonte, outro dos líderes da rede, ao ser questionado pela
reportagem. A reportagem suprimiu o sobrenome a pedido do investidor. “É
tão simples que qualquer um entende. A mágica está na simplicidade”,
diz, ao abrir o site da FX e explicar a lógica da arbitragem e do
mercado forex (um negócio de risco que envolve a compra e venda
simultânea de duas moedas diferentes, para ganhar na variação da
cotação).
Roberto fretou dois ônibus e levou mais de 150 pessoas para o
evento no Credicard Hall, com recursos próprios, arcando com os custos
de alimentação de todos. “Os meninos merecem comer bem”, diz.
Em jantar com líderes de sua empresa, antes do
evento no Credicard Hall, Philip Han passa a mensagem do que espera dos
investidores. “Estamos falando do multinível, que é uma indústria de US$
800 bilhões. Se você não conseguir US$ 50 mil por dia, você é um
fracassado”, diz.
Os clientes da FX foram conquistados graças a uma promessa
“milagrosa” de multiplicação de dividendos. A empresa diz ter construído
um robô virtual que compra moedas como o bitcoin no momento exato de
maior baixa em sua cotação para revendê-lo no momento exato de maior
alta na cotação do dia. Conseguiria, assim, um retorno para o investidor
de 1,5% ao dia, já descontadas as taxas de administração.
Poucos dias depois do evento, no entanto, a FX foi proibida
de operar pela CVM por atuação ilegal no mercado, sob pena de multa de
R$ 1 mil ao dia. Investigadores do Grupo de Atuação Especial de
Repressão ao Crime Organizado (Gaeco), do Ministério Público de São
Paulo, também investigam a empresa liderada por Han. “Mas temos muitas
limitações com essas empresas. Em geral, precisamos de vítimas para
atuar e, nessas empresas, quando aparecem as vítimas, é quando o golpe
foi concluído e os donos desapareceram”, conta um delegado da Polícia
Civil de São Paulo.
Há pelo menos um mês antes do lançamento da F2,
investigadores já diziam que Han preparava o fechamento da empresa. Ele
começou a criar barreiras para a entrada de novos participantes e, nas
redes sociais, avisou os líderes que iria lançar uma segunda empresa,
nos moldes da FX. Ele também quer transformar a FX em uma corretora de
compra e venda de moedas.
Em um encontro recente com um grupo seleto de participantes
no condomínio de Alphaville, na região metropolitana de São Paulo, ele
deu dicas do que virá pela frente. “O Han ainda vai montar uma empresa
‘legal’, sem multinível, para captar investimento e supostamente pagar
os prejudicados na FX”, diz, sob condição de anonimato, uma dessas
lideranças, que participou do encontro. Han também tem disparado vários
vídeos, principalmente via WhatsApp, aos demais participantes da rede,
com o objetivo de tentar acalmar os investidores.
O tom dos últimos vídeos de Han é o mesmo do adotado,
semanas antes, por uma outra empresa investigada por prática de pirâmide
financeira com criptomoedas, a Goodream, de Cascavel, no Paraná. Em
junho, a empresa subitamente tirou seu site do ar e seus fundadores
desapareceram, deixando cerca de 70 mil investidores sem notícias. Eles
acionaram o Ministério Público e a Polícia do Estado.
Sabe ser "humilde" esse moço!
ESTADÃO
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