O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), disse ao jornal O
Estado de S. Paulo que o governo não tem projeto para o País além da
reforma da Previdência. Um dia após ameaçar deixar a articulação
política para a aprovação das mudanças na aposentadoria, por causa dos
ataques recebidos nas redes sociais pelo vereador Carlos Bolsonaro
(PSC-RJ), Maia calibrou o discurso e assegurou a continuidade do
trabalho. Fez, porém, várias críticas e advertiu que o presidente
precisa deixar o Twitter de lado, além da “disputa do mal contra o bem”,
e se empenhar para melhorar a vida da população.
“O governo é um deserto de ideias”, declarou Maia. “Se tem propostas,
eu não as conheço. Qual é o projeto do governo Bolsonaro fora a
Previdência? Não se sabe”. Na avaliação do presidente da Câmara, o
ministro da Economia, Paulo Guedes, é “uma ilha” dentro do Executivo.
Por que o sr. decidiu abandonar a articulação da reforma da Previdência?
Apenas entendo que o governo eleito não pode terceirizar sua
responsabilidade. O presidente precisa assumir a liderança, ser mais
proativo. O discurso dele é: sou contra a reforma, mas fui obrigado a
mandá-la ou o Brasil quebra. Ele dá sinalização de insegurança ao
Parlamento. Ele tem que assumir o discurso que faz o ministro Paulo
Guedes. Hoje, o governo não tem base. Não sou eu que vou organizar a
base. O presidente da Câmara sozinho, em uma matéria como a reforma da
Previdência, não tem capacidade de conseguir 308 votos.
Mas o senhor continua à frente da articulação?
Dentro do meu quadrado, sim. Agora, acho que quanto mais eles tentam
trazer para mim a responsabilidade do governo, mais está piorando a
relação do governo com o Parlamento. O governo precisa vir a público de
forma mais objetiva, com mais clareza, com mais energia na votação da
reforma.
O que o presidente Bolsonaro precisa fazer?
Ele precisa construir um diálogo com o Parlamento, com os líderes,
com os partidos. Não pode ficar a informação de que o meu diálogo é pelo
toma lá, dá cá. A gente tem que parar com essa conversa. Como o
presidente vê a política? O que é a nova política para ele? Ele precisa
colocar em prática a nova política. Tanto é verdade que ele não colocou
que tem (apenas) 50 deputados na base. Faço o alerta: se o governo não
organizar sua base, se não construir o diálogo com os deputados, vai ser
muito difícil aprovar a reforma da Previdência. O ciclo dos últimos 30
anos acabou e agora se abre um novo ciclo. Ele precisa saber o que
colocar no lugar. O Executivo precisa ser um ator ativo nesse processo
político.
E não está sendo?
De forma nenhuma. Ele está transferindo para a presidência da Câmara e
do Senado uma responsabilidade que é dele. Então, ele fica só com o
bônus e eu fico com o ônus de ganhar ou perder. Se ganhar, ganhei com
eles. Se perder, perdi sozinho. Isso, para a reforma da Previdência, é
muito grave. Não é uma votação qualquer, para você falar “leva que o
filho é teu”. Não é assim. É uma matéria será um divisor de águas
inclusive para o governo Bolsonaro. Então, ele precisa assumir
protagonismo. Foi isso o que eu falei. Não vou deixar de defender as
coisas sobre as quais tenho convicção porque brigo com A, B ou C. Meu
papel institucional não é usar a presidência da Câmara para ameaçar o
governo.
Mas o senhor ficou bastante contrariado com os ataques da rede bolsonarista na internet…
Não é que eu fiquei incomodado. O que acontece é que o Brasil viveu
sua maior recessão no governo Dilma, melhorou um pouco no último
governo, só que a vida das pessoas continua indo muito mal. Então, na
hora em que a gente está trabalhando uma matéria tão importante como a
Previdência, e a rede próxima ao presidente é instrumento de ataque a
pessoas que estão ajudando nessa reforma, eu posso chegar à conclusão de
que, por trás disso, está a vontade do governo de não votar a
Previdência. Não fui só eu que fui criticado. Todo mundo que de alguma
forma fez alguma crítica ao governo recebe os maiores “elogios” da rede
dos Bolsonaro. Isso é ruim porque você não respeitar e não receber com
reflexão uma crítica não é um sinal de espírito democrático correto.
O posicionamento do vereador Carlos Bolsonaro nas redes sociais atrapalha o governo?
O Brasil precisa sair do Twitter e ir para a vida real. Ninguém
consegue emprego, vaga na escola, creche, hospital por causa do Twitter.
Precisamos que o País volte a ter projeto. Qual é o projeto do governo
Bolsonaro, fora a Previdência? Fora o projeto do ministro (Sérgio) Moro?
Não se sabe. Qual é o projeto de um partido de direita para acabar com a
extrema pobreza? Criticaram tanto o Bolsa Família e não propuseram nada
até agora no lugar. Criticaram tanto a evasão escolar de jovens e agora
a gente não sabe o que o governo pensa para os jovens e para as
crianças de zero a três anos. O governo é um deserto de ideias.
O senhor está dizendo que o governo não tem proposta?
Se tem propostas, eu não as conheço.
Há uma nova versão do ‘nós contra eles’?
Eles construíram nos últimos anos o ‘nós contra eles’. Nós, liberais,
contra os comunistas. O discurso de Bolsonaro foi esse. Para eles, essa
disputa do mal contra o bem, do sim contra o não, do quente contra o
frio é o que alimenta a relação com parte da sociedade. Só que agora
eles venceram as eleições. E, em um país democrático, não é essa ruptura
proposta que vai resolver o problema. O Brasil não ganha nada
trabalhando nos extremos.
Temos um desgoverno?
As pessoas precisam da reforma da Previdência e, também, que o
governo volte a funcionar. Nós temos uma ilha de governo com o Paulo
Guedes. Tirando ali, você tem pouca coisa. Ou pouca coisa pública. Nós
sabemos onde estão os problemas. Um governo de direita deveria estar
fazendo não apenas o enfrentamento nas redes sociais sobre se o
comunismo acabou ou não, mas deveria dizer: “No lugar do Minha Casa,
Minha Vida, para habitação popular nós estamos pensando isso; para
saneamento, nós estamos pensando aquilo”.
O presidente minimizou a crise dizendo que vai conversar com o sr e que tudo é como uma briga no namoro. O que achou?
Se o presidente não falar comigo até o fim do mandato, não tem
problema. Sou a favor da reforma da Previdência. O problema é que ele
precisa conseguir várias namoradas no Congresso, são os outros 307 votos
que ele precisa conseguir. Ele pode me deixar para o fim da fila.
E por que o senhor entrou em um embate com o ministro da Justiça, Sérgio Moro, por causa do pacote anticrime?
Certamente, conheço a Câmara muito melhor do que o ministro Moro. E
sei como eu posso ajudar o projeto sem atrapalhar a Previdência. O que
me incomodou? O ministro passou da fronteira. Até acho que em uma
palavra ou outra me excedi, mas, na média, coloquei a posição da Câmara.
O governo quer fazer a nova política. Nós queremos participar da nova
política.
A prisão do ex-presidente Michel Temer e do ex-ministro Moreira Franco serviu para tumultuar esse ambiente político?
Eu não acho. As instituições precisam funcionar. Uns gostam da
decisão, outros não. Mas ela precisa ser respeitada e aquele que se
sentir prejudicado por uma decisão da Justiça tem o poder de recorrer.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.
Rodrigo Maia.
Estadão Conteúdo
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