Documentos obtidos em cartórios mostram que o então deputado estadual
e hoje senador eleito Flávio Bolsonaro (PSL-RJ) registrou de 2014 a
2017 a aquisição de dois apartamentos em bairros nobres do Rio de
Janeiro, ao custo informado de R$ 4,2 milhões.
Em parte das transações, o valor declarado pelos compradores e
vendedores é menor do que aquele usado pela prefeitura para cobrança de
impostos.
O período da aquisição dos imóveis pelo filho de Jair Bolsonaro é o
mesmo em que o Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras)
teria detectado movimentação de R$ 7 milhões nas contas de Fabrício
Queiroz, ex-assessor de Flávio, segundo reportagem do jornal O Globo
publicada neste domingo (20).
O ex-motorista é investigado sob suspeita de ser o pivô de um esquema
ilegal de arrecadação de parte dos salários de servidores do gabinete,
prática conhecida como rachadinha.
Flávio começou na vida pública em 2002, tendo como único bem na época um Gol 1.0, segundo sua declaração de bens.
Em outro relatório, divulgado pelo Jornal Nacional, da TV Globo,
sobre movimentações atípicas na conta do filho do presidente, o Coaf
identificou um pagamento de R$ 1.016.839 de um título bancário da Caixa
—o órgão não teria conseguido identificar a data exata e o beneficiário.
De acordo com os documentos obtidos em cartórios, Flávio registrou em
junho de 2017 a quitação de uma dívida com a Caixa no valor aproximado
de R$ 1 milhão para aquisição de um dos apartamentos que comprou, no
bairro das Laranjeiras. Segundo dados de uma das escrituras, o débito
foi pago em 29 de junho daquele ano.
Segundo informações cartoriais, Flávio comprou o imóvel na planta, por valor declarado de R$ 1,753 milhão.
Ele se desfez do bem em 2017, quando fez uma permuta, recebendo em
troca uma sala comercial na Barra da Tijuca e um apartamento em na Urca,
além de R$ 600 mil em dinheiro —sendo R$ 50 mil em cheque e R$ 550 mil
sem descrição da forma de pagamento— para completar o negócio. Na
escritura, o imóvel dado por ele tinha passado a valer R$ 2,4 milhões.
O novo bem, na Urca, teve valor registrado de R$ 1,5 milhão –vendido depois, em maio de 2018.
Em entrevista na noite de domingo ao programa Domingo Espetacular, da
TV Record, Flávio afirmou que o pagamento do título bancário se refere à
negociação imobiliária. Ele levou papéis, mas não quis mostrá-los,
afirmando que a imprensa não é o foro adequado para esse tipo de
esclarecimento.
Segundo ele, a parte recebida em dinheiro vivo explica os depósitos fracionados em sua conta bancária.
Na sexta (18), o Jornal Nacional revelou que o senador eleito recebeu
R$ 96 mil em um período de cinco dias, entre junho e julho de 2017.
Foram 48 depósitos no valor de R$ 2.000, realizados em espécie no
autoatendimento da agência bancária que fica dentro da Alerj (Assembleia
Legislativa do Rio).
Segundo o senador eleito afirmou à Record, os depósitos foram
fracionados em R$ 2.000 porque esse era o limite aceito no caixa
eletrônico. No Itaú, único banco no qual o senador eleito tem conta
declarada, o limite para depósito em espécie no caixa eletrônico é de
fato R$ 2.000. Na Alerj, onde foram feitos os depósitos, há um
autoatendimento do Itaú.
Outro apartamento adquirido pelo senador eleito entre 2014 e 2017 foi
um na Barra da Tijuca, pelo valor de R$ 2,55 milhões. Para a compra,
ele também pegou uma espécie de empréstimo, dessa vez com o Itaú, pelo
valor de R$ 1,074 milhão.
O apartamento fica em uma das regiões mais nobres do bairro, na
avenida Lúcio Costa, de frente para a praia, próximo do condomínio em
que o pai tem casa.
No mesmo período, o senador eleito vendeu dois imóveis, um em
Copacabana e outro também na Urca, pelo valor de, somados, R$ 2 milhões.
Nos registros cartoriais também figura o nome da mulher de Flávio,
Fernanda Antunes Figueira.
Atualmente, o salário de um deputado estadual do Rio é de R$ 25,3 mil
brutos. Na entrevista à Record, Flávio afirmou que o salário de
deputado é a menor parte de seus rendimentos. O maior volume viria da
atividade empresarial —não especificou, porém, qual seria o negócio.
A Folha revelou em janeiro de 2018 que o presidente Jair Bolsonaro, à
época deputado federal e pré-candidato, e seus três filhos que exercem
mandato multiplicaram o patrimônio na política.
Com base em pesquisas cartoriais, a reportagem mostrou que até aquele
mês eles eram donos de 13 imóveis com preço de mercado de pelo menos R$
15 milhões, a maioria em pontos altamente valorizados do Rio, como
Copacabana, Barra da Tijuca e Urca.
A Folha também mostrou em janeiro do ano passado que Flávio havia negociado ao menos 19 imóveis nos últimos 13 anos.
A maior parte são 12 salas do Barra Prime, um prédio comercial. Todas
foram vendidas para a MCA Participações, empresa que tem entre os
sócios uma firma do Panamá. Ela adquiriu as salas de Flávio em novembro
de 2010 —45 dias depois de o deputado ter comprado 7 das 12 salas.
O senador eleito passou a ser protagonista da dor de cabeça do
governo Jair Bolsonaro após a revelação das movimentações de Queiroz, em
dezembro.
Quase um mês depois, agora ele é também foco do Ministério Público e
demais autoridades. Com o agravamento da crise, o Palácio do Planalto
iniciou estratégia para evitar que o episódio gere danos maiores.
A orientação recebida por integrantes da equipe ministerial é de que,
a partir de agora, evitem comentar o tema em público, tratando-o como
uma questão particular do filho do presidente.
O levantamento de dados pelo Coaf motivou reclamação do senador
eleito ao STF (Supremo Tribunal Federal). Na semana passada, a corte
suspendeu a investigação que envolvia Queiroz e Flávio.
A Folha enviou perguntas ao advogado e à sua assessoria no final da
tarde e início da noite deste domingo, mas não obteve resposta.
Não será entrevistas combinadas que irão tirar esse moço da bronca em pauta.
Folha de São Paulo
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