Os
oficiais de Registro Civil de Pessoas Naturais de Governador Dix-Sept
Rosado e de Serra do Mel não devem realizar o processamento de
reconhecimentos de paternidade ou maternidade socioafetiva que envolvam
crianças ou adolescentes com base em um provimento expedido pelo
Conselho Nacional de Justiça (CNJ). É o que recomenda o Ministério
Público do Rio Grande do Norte (MPRN), por intermédio da 12ª Promotoria
de Justiça de Mossoró, com atribuição para Defesa dos Direitos da
Criança e do Adolescente.
O documento do CNJ institui normas para emissão, pelos cartórios de
registro civil, de certidão de nascimento, casamento e óbito, que terão
obrigatoriamente o número de CPF. Entre as novas regras está a
possibilidade de reconhecimento voluntário da maternidade e paternidade
socioafetiva. Até então, o reconhecimento só era possível por meio de
decisões judiciais ou em poucos estados que adotavam normas específicas.
A recomendação do MPRN destaca que há grande preocupação da
magistratura infanto-juvenil protetiva com os efeitos decorrentes desse
Ato Normativo. Um dos problemas é em razão do afastamento da atuação
jurisdicional na constituição da parentalidade socioafetiva, como também
na efetivação de entregas irregulares para adoção.
Para o MPRN, a medida fragiliza “a participação de diversos
operadores do direito, colocando a figura do delegatário como a única
autoridade apta a autorizar o reconhecimento da paternidade
socioafetiva, em detrimento da análise aprofundada sobre os meios de se
efetivar o direito fundamental à convivência familiar da criança e do
adolescente".
O inquérito civil instaurado no âmbito da promotoria constatou que,
após a publicação do provimento do CNJ, já houve apenas em Mossoró três
casos do reconhecimento socioafetivo de paternidade ou maternidade de
crianças, sendo todas elas de tenra idade, e, em dois desses feitos
administrativos, os petizes tinham menos de um ano de idade. Outro
detalhe é que o reconhecimento se deu por pretendentes oriundos da
região Sudeste do país, que se deslocaram até Mossoró para realizar o
referido ato jurídico.
Para o promotor de Justiça Sasha Alves do Amaral, que assina a
recomendação, o Provimento entrega a decisão em torno de uma causa com
contornos não só jurídicos, mas também sociais, educacionais e
psicológicos, para a esfera única de análise do oficial de cartório. A
medida retira de cena a análise por parte da Justiça especializada da
infância, a qual atua com o apoio de equipe técnica interdisciplinar,
conforme preconiza o Estatuto da Criança e do Adolescente. "Há o grande
risco de esse ato permitir a instrumentalização das mulheres gestantes
em prol do interesse de terceiras pessoas, com as quais não tinha
vínculo anterior algum", destaca.
Com esses elementos, o MPRN destaca a necessidade de se tomar
medidas de caráter emergencial, “dado o precedente aberto pelo ato da
Corregedoria Nacional de Justiça, que, como visto, vem gerando efeitos
jurídicos imediatos na vida de crianças e adolescentes – e isso à margem
de qualquer debate legislativo prévio e de análise judicial e
interdisciplinar”, destaca trecho da recomendação.
Ainda de acordo com a recomendação ministerial, existe “maior
preocupação com a higidez de títulos de propriedade imobiliária do que
com a situação existencial de crianças e adolescentes, ao dispensar,
quanto a esta, manifestação de profissionais especializados, representa
sinal da forte influência que o patrimonialismo ainda exerce nas
práticas jurídicas brasileiras, herança de um passado colonial, com
longo histórico de violações sistemáticas e institucionalizadas a
direitos humanos”.
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