G1/RN: Quatro
gabinetes de deputados estaduais se tornaram alvos de investigação do
Ministério Público do Rio Grande do Norte desde o final da semana
passada, conforme as edições Diário Oficial publicadas na sexta-feira
(20), no sábado (21) e nesta terça-feira (24). O foco dos inquéritos é o
consumo de combustível dos mandatos, que é ressarcido pela Assembleia
Legislativa.
As apurações do MP ocorrem após uma reportagem publicada pelo G1 em
janeiro deste ano apontar que em 11 meses, ao longo de 2017, os 24
parlamentares usaram combustível suficiente para dar 48 voltas à Terra.
Nesse período, mais de R$ 900 mil foram repassados aos gabinetes somente
para despesas deste tipo. Na ocasião, todos os parlamentares que
responderam aos questionamentos da reportagem negaram qualquer
irregularidade.
Os quatro inquéritos foram abertos pela promotora Patrícia Antunes
Martins, da 46ª Promotoria de Justiça de Defesa do Patrimônio Público,
todos assinados na semana passada. As publicações, porém, ocorreram em
dias diferentes. Na sexta-feira, foi oficializada a abertura de
investigação contra o gabinete do deputado Nelter Queiroz (MDB).
No dia seguinte, o MP abriu inquérito para apurar os gastos dos
gabinetes dos deputados Hermano Morais (MDB) e José Adécio (DEM). Já
nesta terça-feira (24) foi a vez do gabinete da deputada Cristiane
Dantas (PPL) entrar no rol. Os inquéritos apuram o consumo de
combustível de 2015 a 2018. Cristiane e Adécio figuraram na lista dos 10
parlamentares que mais tiveram ressarcimento por gasto com combustível
no período apurado pela reportagem.
Nas diligências iniciais, tanto a presidência da Casa, quanto os
gabinetes deverão apresentar aos investigadores os documentos
comprobatórios dos gastos e as justificativas de consumo.
Mas esses são apenas os primeiros de um total de 24 inquéritos que
podem ter abertos pelas cinco promotorias do Patrimônio Público da
capital. É que, após uma representação de ofício feita pela promotora e
uma análise da Secretaria das Promotorias de Patrimônio Público, todos
os casos de todos os gabinetes, que podem ser investigados, foram
distribuídos proporcionalmente entre as promotorias.
“Encaminhei a reportagem com uma representação de ofício para que fosse
feita uma investigação. Pode ter havido desvio de dinheiro público, mas
isso ainda é uma tese. Ainda é preciso receber as informações
solicitadas e será feita uma análise dos dados”, afirmou a promotora, em
contato por telefone.
Ainda de acordo com Patrícia Antunes, caberá a cada promotor do
patrimônio público decidir se deve ou não abrir inquérito para apurar o
gasto, mas ela considerou que há necessidade de apuração. A promotora,
que atualmente também atua na 19ª promotoria, em Mossoró, não soube
informar se os gabinetes e a Assembleia já foi notificada. O G1
procurou a assessoria da Casa Legislativa no início da tarde desta
terça-feira (24), mas não obteve retorno até a publicação desta matéria.
Em nota que, o MP informou que “quanto a esses ICs não há outras informações a passar, pois foram instaurados semana passada”.
Idas e voltas da lua
O combustível consumido pelos deputados também seria suficiente para
duas viagens de ida e volta à Lua, e ainda sobraria. De janeiro a
novembro de 2017, a Assembleia Legislativa pagou aos deputados estaduais
R$ 900.289,28 em verba de ressarcimento para combustível. O valor seria
suficiente para comprar 218,5 mil litros de gasolina comum, no período,
ou rodar 1,9 milhão de quilômetros.
Seguindo essa lógica, cada deputado estadual gastou uma média de R$
3.410,18, ou cerca de 813,8 litros de gasolina por mês. Considerando
consumo médio de 9 quilômetros por litro, eles rodaram 7.324,2
quilômetros mensalmente, ou 244,14 quilômetros diários, de domingo a
domingo.
Para fazer esse cálculo, o G1
levou em conta o preço de R$ 4,19 para o litro de gasolina comum. Esse
foi o valor mais caro encontrado pela Agência Nacional do Petróleo, Gás
Natural e Biocombustíveis (ANP) no estado, durante o levantamento feito
para o relatório mensal de preços de novembro de 2017.
Também foi considerado o consumo médio de carros utilitários esportivos
grande e picapes. Os utilitários mais econômicos chegam a rodar mais de
15 km com um litro. Entre as picapes, as que consomem menos fazem 11 km
por litro, de acordo com levantamento do Auto Esporte, feito em julho
do ano passado.
Apesar do aumento da gasolina ao longo do período, os maiores gastos
foram registrados no primeiro mês do ano, em janeiro, quando os
parlamentares estavam de férias. As atividades em plenário só voltaram
no dia 2 de fevereiro. Em julho, os parlamentares tiveram mais 15 dias
de recesso.
Por ano, cada deputado estadual potiguar pode gastar até R$ 54 mil com
combustível. Por mês, além dos salários, os gabinetes recebem até R$ 32
mil como verba de ressarcimento, para gastos com gasolina, aluguel de
veículo, contratação de consultorias, entre outros gastos.
Notas fiscais únicas
Outro caso curioso encontrado pelo G1
foi o uso de notas únicas, apresentadas mensalmente à Assembleia, pelos
gabinetes, para justificar os gastos. Caso do deputado Souza Neto
(PHS), por exemplo, que tem bases na região Oeste potiguar. Ao longo dos
meses, todo o abastecimento de combustível dele foi feito por um único
posto localizado no município de Areia Branca, distante 330 quilômetros
da capital potiguar, segundo o IBGE.
Abastecer em apenas um posto de combustível também é costume do
deputado Vivaldo Costa (Pros), que só apresentou notas do Posto Sabugi
LTDA, localizado em Caicó, na região Seridó potiguar. Ao longo dos 11
meses, foram pagos R$47.390,80. Já o presidente da Assembleia
Legislativa, deputado Ezequiel Ferreira de Souza (PSDB), comprou
R$49.064,72 à mesma fonte, ao longo do período: o Posto Ramalho, com
razão social Francisco de Sales Dantas, em Macaíba.
Kelps Lima (SDD) abasteceu o ano inteiro no posto Transportes e
Comércio Novo Horizonte LTDA, localizado na Zona Sul da capital
potiguar. Márcia Maia (PSDB) abasteceu apenas no posto Luiz Flor e
Filhos LTDA. No mesmo posto, Hermano Morais (MDB) abasteceu R$
44.760,09.
Esse Assembleia é a casa da corrupção.
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