G1: Para
alguns, ele é um reformista à espera da oportunidade de introduzir
mudanças necessárias na Revolução Cubana. Para outros, seu papel se
limita ao de um burocrata escolhido a dedo para manter o "retrógrado"
sistema político da ilha.
Mas quem realmente é Miguel Díaz-Canel Bermúdez, o sucessor de Raúl Castro na presidência de Cuba?
"Essa é uma pergunta cuja resposta vai demorar para ser conhecida", diz
o embaixador Carlo Alzugaray em entrevista à BBC Mundo, serviço em
espanhol da BBC.
A Assembleia Nacional está reunida nesta quarta-feira (18) para
escolher o novo presidente do país. No início da tarde, contudo, antes
do fim do encontro, parlamentares confirmaram à BBC que Díaz-Canel era o
único candidato à sucessão.
O novo presidente, que completa 58 anos nesta semana, assume a
responsabilidade de guiar o país em circunstâncias inéditas. Pela
primeira vez em seis décadas, Cuba não terá um Castro no comando.
A geração que protagonizou a insurreição contra o ditador Fulgêncio
Batista, na década de 1950, começou a se retirar do poder, dando espaço
para uma pessoa mais jovem.
Os círculos políticos e intelectuais do país estão divididos sobre como
será daqui para frente. Há quem queira mais reformas econômicas e maior
abertura ao mercado externo, processo iniciado de forma gradual por
Raúl Castro. Outros advogam pela manutenção do controle estatal na
economia e na opinião pública para assegurar a estabilidade política.
Com qual dessas visões Díaz-Canel está alinhado ainda é uma incógnita.
Ele é um homem corpulento e grisalho. Seus olhos azuis - traço que
aponta para suas origens europeias - é uma das poucas certezas que os
cubanos têm sobre ele.
Raízes em Villa Clara
Descendente de imigrantes das Astúrias, na Espanha, ele nasceu em
Placetas, na província cubana de Villa Clara. Ele é casado com uma
professora universitária e tem dois filhos de um matrimônio anterior.
Foi em Villa Clara que o político conseguiu o crédito que acabou por levá-lo ao maior cargo da burocracia estatal cubana.
Depois de completar o serviço militar obrigatório, Díaz-Canel se formou
em engenharia na Universidade de Las Villas, onde depois virou
professor.
Em 1987, ele se converteu em dirigente da União de Jovens Comunistas e deu seu primeiro passo na carreira política.
Foi então que o Departamento de Organização e Quadros do Partido
Comunista se interessou pelo jovem Díaz-Canel, um jovem que amava os
Beatles e acreditava piamente na causa socialista.
Companheiros da juventude recordam do apreço pelo socialismo
demonstrado por Díaz-Canel nas caminhadas que ele fazia pelo campo
durante seu trabalho de doutrinação.
O novo presidente de Cuba era um leal seguidor da ortodoxia socialista,
mas não demonstrava ser autoritário, segundo seus amigos.
Logo no início ele foi enviado à Nicarágua em uma missão que reunia
militares, médicos e outros profissionais cubanos. Eles ajudaram o grupo
que promovia a revolução sandinista, que se estendeu entre 1978 e 1990.
"Na Nicarágua, Díaz-Canel organizou comitês de base com jovens
comunistas. Ele fez um trabalho político-ideológico que buscava reforçar
as posições do governo cubano e do sandinismo", lembra Arturo López
Levy, cientista político da Universidade de Texas.
De volta a Cuba, em 1993, Díaz-Canel virou secretário do Partido Comunista em Villa Clara.
O político era visto como "comprometido" e "líder tolerante" quando era
o responsável do partido em sua cidade natal, uma época que ficou
conhecido como "período especial", quando a economia cubana quase entrou
em colapso após o desmantelamento da União Soviética, âncora do bloco
socialista.
Harold Cárdenas Lema, autor do blog socialista La Joven Cuba e
conterrâneo do futuro presidente, relembra em entrevista à BBC Mundo que
"as políticas sociais progressistas" de Díaz-Canel o diferenciaram de
outros nomes do partido.
Outros conterrâneos do político lembram da perseguição de Díaz-Canel ao
mercado paralelo - muitos cubanos procuram esse comércio em busca de
produtos que não são vendidos nos mercados legais.
Um dos motivos que amigos usam para apontar Díaz-Canel como um "homem
moderno" foi sua defesa do clube "El Mejunje", um local frequentado por
membros da comunidade LGBT. Setores intransigentes da burocracia cubana
ficavam escandalizados com as atividades do local e com os espetáculos
promovidos por travestis.
O fundador do clube, o artista Ramón Silverio, lembra que Díaz-Canel
costumava levar seus dois filhos para as atividades infantis do local.
Para López Levy, contemporâneo do socialista na militância juvenil, Díaz-Canel é um político "distinto".
"Ele exerceu uma liderança em Santa Clara bastante rara para a época.
Andava de bicicleta e usava bermudas nas ruas", ele conta à BBC Mundo.
"Em uma época de escassez, ele construiu uma imagem de modéstia, de
proximidade com as pessoas. Foi uma jogada política muito inteligente",
disse.
Sua capacidade de organização também é elogiada.
"Ele é um engenheiro que pensa em termos de eficiência, questionando-se
qual é o sistema que lhe trará mais resultados", diz o cientista
político López Levy.
Metódico, Díaz-Canel cresceu na carreira política como um "funcionário exemplar".
Fidel Castro, impressionado
López Levy conta que Díaz-Canel impressionou Fidel Castro quando o
histórico dirigente decidiu visitar a província de Villa Clara. Na
ocasião, o jovem político conseguiu mobilizar uma grande quantidade de
pessoas em poucas horas.
Em 2003, ao mesmo tempo em que ele aceitou dirigir a província de
Holguín, Raúl Castro promoveu sua candidatura ao comitê central do
Partido Comunista. Essa relação de "mestre e discípulo" entre o
primeiro-ministro e seu sucessor, como descreve Carlo Alzugaray, é
mantida até hoje.
Díaz-Canel estava no núcleo de poder estatal em 2009, um ano depois de
Raúl assumir como primeiro-ministro. Acabou se tornando seu ministro da
Educação.
Nessa cadeira, ele organizou uma série de reuniões com quadros estudantis para conhecer a situação da educação cubana.
Luiz Carlos Bautista estava entre as dezenas de estudantes que se
reuniram com o então ministro da Educação na Universidade de Havana. "Me
lembro que ele era um homem sério, mas não frio. Ele parecia atento ao
que ocorria em universidades estrangeiras", disse à BBC Mundo.
Segundo Bautista, o então ministro demonstrou especial interesse pelas
condições da estrutura da universidade e pelo trabalho
político-ideológico.
Harold Cárdenas também participou dos encontros e notou algo que acredita que possa ser um problema.
"Díaz-Canel pertence à geração dos meus pais, que cresceu com o embargo
dos Estados Unidos e que tem uma atitude negativa em relação a esse
país", diz.
Depois do ministério, o futuro líder cubano foi nomeado para a cadeira
de vice-presidente dos conselhos de Estado e de Ministros. Esse cargo o
elevou à categoria de possível sucessor de Raúl Castro.
Raúl o elogiou por "não ser um novato" e por sua "firmeza ideológica".
"Distanciar-se de Raúl Castro poderia tê-lo colocado em risco", explica
López Levy. Desde então, Díaz-Canel tem evitado impor uma agenda
própria e preferido se manter quase em silêncio, perfil que impede
prever como será sua atuação como primeiro-ministro de Cuba.
Aparentemente, ele aprendeu a lição deixada por Carlos Lage, Roberto
Robaina e Felipe Pérez-Roque, dirigente defenestrados inesperadamente
pelos irmãos Castro por tomarem atitudes consideradas "desleais".
A cautela ajudou Díaz-Canel a sobreviver na cúpula cubana, segundo
pessoas que conviveram com ele. Um jornalista veterano de Cuba, que
prefere não ter seu nome revelado, afirma que o político "fez a mesma
coisa que todos os outros, obedecer".
Recentemente, declarações do socialista têm se afastado de seu antigo
perfil de "abertura". Ele tem reafirmado preceitos comunistas e
prometido persistir "na marcha triunfante da Revolução".
"Nos últimos tempos ele tem mostrado uma dureza ideológica preocupante", diz Alzugaray.
Para Antonio Rodiles, ativista anticastrista, Díaz-Canel "é uma pessoa
apagada que repete como um robô o que tem sido dito em Cuba nos últimos
60 anos".
Segundo ele, com a chegada de Donald Trump à Casa Branca e a queda da
esquerda em vários países da América Latina, o governo cubano se sente
"encurralado" e propõe apenas "resistir".
Rafel Rojas, do Centro de Pesquisa e Docência Econômica da Cidade do
México, afirma que a ascensão de Díaz-Canel é legitimada por sua
promessa de continuísmo. Por outro lado, ele acredita que, ao longo dos
anos, ele pode mostrar características diferentes dos irmãos Castro.
Em um vídeo vazado há alguns meses, o futuro presidente acusa alguns
meios de comunicação cubanos de promover "estereótipos de guerra
cultural" - as afirmações desencorajaram pessoas que acreditavam que
poderia haver mudanças na ilha.
Alguns observadores acreditam que o vazamento pode demonstrar traços de
desprestígio do político entre seus próprios companheiros.
Díaz-Canel costuma participar de reuniões usando um tablet e é visto em
público com sua mulher, algo incomum entre os dirigentes cubanos, que
rechaçam novas tecnologias e exposição pública de suas vidas privadas.
López Levy acredita que, na realidade, ele é partidário de aplicar
reformas e que as pessoas o subestimam quando dizem que ele está nas
mãos de setores mais reacionários de Cuba.
Para muitos em Cuba e entre a numerosa comunidade cubana no exterior, essas mudanças são necessárias, mas insuficientes.
Díaz-Canel tende a pilotar a nave cubana sob pressão de setores divergentes.
A capacidade de trabalhar em equipe, muito alardeada em seu favor,
deverá ser um dos recursos que terá de explorar a partir de agora.
Porque, como diz Alzugaray, "de Fidel foi perdoado tudo, de Raúl quase tudo, mas de Díaz não será tão perdoado".
Ditadura seguirá na ilha.
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