Comparsa de Youssef na pilhagem da maior empresa brasileira, o
ex-diretor Paulo Roberto Costa já declarara aos policiais e procuradores
que nos governos do PT a estatal foi usada para financiar as campanhas
do partido e comprar a fidelidade de legendas aliadas. Parte da lista de
corrompidos já veio a público. Faltava clarear o lado dos corruptores.
Na terça-feira, Youssef apresentou o ponto até agora mais
“estarrecedor” — para usar uma expressão cara à presidente Dilma
Rousseff — de sua delação premiada. Perguntado sobre o nível de
comprometimento de autoridades no esquema de corrupção na Petrobras, o
doleiro foi taxativo:— O Planalto sabia de tudo!
— Mas quem no Planalto? — perguntou o delegado.
— Lula e Dilma — respondeu o doleiro.
Para conseguir os benefícios de um acordo de delação premiada, o
criminoso atrai para si o ônus da prova. É de seu interesse, portanto,
que não falsifique os fatos. Essa é a regra que Youssef aceitou. O
doleiro não apresentou — e nem lhe foram pedidas — provas do que disse.
Por enquanto, nesta fase do processo, o que mais interessa aos delegados
é ter certeza de que o depoente atuou diretamente ou pelo menos
presenciou ilegalidades. Ou seja, querem estar certos de que não lidam
com um fabulador ou alguém interessado apenas em ganhar tempo
fornecendo pistas falsas e fazendo acusações ao léu. Youssef está se
saindo bem e, a exemplo do que se passou com Paulo Roberto Costa, o
ex-diretor da Petrobras, tudo indica que seu processo de delação
premiada será homologado pelo Supremo Tribunal Federal (STF). Na semana
passada, ele aumentou de cerca de trinta para cinquenta o número de
políticos e autoridades que se valiam da corrupção na Petrobras para
financiar suas campanhas eleitorais. Aos investigadores, Youssef
detalhou seu papel de caixa do esquema, sua rotina de visitas aos
gabinetes poderosos no Executivo e no Legislativo para tratar, em bom
português, das operações de lavagem de dinheiro sujo obtido em
transações tenebrosas na estatal. Cabia a ele expatriar e trazer de
volta o dinheiro quando os envolvidos precisassem.
Uma vez feito o acordo, Youssef terá de entregar o que prometeu na
fase atual da investigação. Ele já contou que pagava em nome do PT
mesadas de 100 000 a 150 000 reais a parlamentares aliados ao partido no
Congresso. Citou nominalmente a ex-ministra da Casa Civil Gleisi
Hoffmann, a quem ele teria repassado 1 milhão de reais em 2010.
Youssef disse que o dinheiro foi entregue em um shopping de Curitiba. A
senadora negou ter sido beneficiada.
Entre as muitas outras histórias consideradas convincentes pelos
investigadores e que ajudam a determinar a alta posição do doleiro no
esquema — e, consequentemente, sua relevância para a investigação —,
estão lembranças de discussões telefônicas entre Lula e o ex-deputado
José Janene, à época líder do PP, sobre a nomeação de operadores do
partido para cargos estratégicos do governo. Youssef relatou um episódio
ocorrido, segundo ele, no fim do governo Lula. De acordo com o doleiro,
ele foi convocado pelo então presidente da Petrobras, Sergio Gabrielli,
para acalmar uma empresa de publicidade que ameaçava explodir o esquema
de corrupção na estatal. A empresa queixava-se de que, depois de
pagar de forma antecipada a propina aos políticos, tivera seu contrato
rescindido. Homem da confiança de Lula, Gabrielli, segundo o doleiro,
determinou a Youssef que captasse 1 milhão de reais entre as
empreiteiras que participavam do petrolão a fim de comprar o silêncio da
empresa de publicidade. E assim foi feito.
Gabrielli poderia ter realizado toda essa manobra sem que Lula
soubesse? O fato de ter ocorrido no governo Dilma é uma prova de que ela
estava conivente com as lambanças da turma da estatal? Obviamente, não
se pode condenar Lula e Dilma com base apenas nessa narrativa. Não é
disso que se trata. Youssef simplesmente convenceu os investigadores de
que tem condições de obter provas do que afirmou a respeito de a
operação não poder ter existido sem o conhecimento de Lula e Dilma —
seja pelos valores envolvidos, seja pelo contato constante de Paulo
Roberto Costa com ambos, seja pelas operações de câmbio que fazia em
favor de aliados do PT e de tesoureiros do partido, seja,
principalmente, pelo fato de que altos cargos da Petrobras envolvidos no
esquema mudavam de dono a partir de ordens do Planalto.
Os policiais estão impressionados com a fartura de detalhes narrados
por Youssef com base, por enquanto, em sua memória. “O Vaccari está
enterrado”, comentou um dos interrogadores, referindo-se ao que o
doleiro já narrou sobre sua parceria com o tesoureiro nacional do PT,
João Vaccari Neto. O doleiro se comprometeu a mostrar documentos que
comprovam pelo menos dois pagamentos a Vaccari. O dinheiro, desviado dos
cofres da Petrobras, teria sido repassado a partir de transações
simuladas entre clientes do banco clandestino de Youssef e uma empresa
de fachada criada por Vaccari. O doleiro preso disse que as provas
desses e de outros pagamentos estão guardadas em um arquivo com mais de
10 000 notas fiscais que serão apresentadas por ele como evidências.
Nesse tesouro do crime organizado, segundo Youssef, está a prova de uma
das revelações mais extraordinárias prometidas por ele, sobre a qual já
falou aos investigadores: o número das contas secretas do PT que ele
operava em nome do partido em paraísos fiscais. Youssef se comprometeu a
ajudar a PF a localizar as datas e os valores das operações que teria
feito por instrução da cúpula do PT.
Depois da homologação da delação premiada, que parece assegurada
pelo que ele disse até a semana passada, Youssef terá de apresentar à
Justiça mais do que versões de episódios públicos envolvendo a
presidente. Pela posição-chave de Youssef no esquema, os investigadores
estão confiantes em que ele produzirá as provas necessárias para a
investigação prosseguir. Na semana que vem, Alberto Youssef terá a
oportunidade de relatar um episódio ocorrido em março deste ano, poucos
dias antes de ser preso. Youssef dirá que um integrante da
coordenação da campanha presidencial do PT que ele conhecia pelo nome
de “Felipe” lhe telefonou para marcar um encontro pessoal e adiantou o
assunto: repatriar 20 milhões de reais que seriam usados na campanha
presidencial de Dilma Rousseff. Depois de verificar a origem do
telefonema, Youssef marcou o encontro que nunca se concretizou por ele
ter se tornado hóspede da Polícia Federal em Curitiba. Procurados, os
defensores do doleiro não quiseram comentar as revelações de Youssef,
justificando que o processo corre em segredo de Justiça. Pelo que já
contou e pelo que promete ainda entregar aos investigadores, Youssef
está materializando sua ameaça velada feita dias atrás de que iria
“chocar o país”.
DINHEIRO PARA O PT
Alberto Youssef também voltou a detalhar os negócios que mantinha com
o tesoureiro nacional do PT, João Vaccari Neto, homem forte da campanha
de Dilma e conselheiro da Itaipu Binacional. Além de tratar dos
interesses partidários com o dirigente petista, o doleiro confi rmou aos
investigadores ter feito pelo menos duas grandes transferências de
recursos a Vaccari. O dinheiro, de acordo com o relato, foi repassado a
partir de uma simulação de negócios entre grandes companhias e uma
empresa-fantasma registrada em nome de laranjas mas criada pelo próprio
Vaccari para ocultar as operações. Ele nega
ENTREGA NO SHOPPING
Alberto Youssef confirmou aos investigadores o que disse o ex-diretor
de Abastecimento da Petrobras Paulo Roberto Costa sobre o dinheiro
desviado da estatal para a campanha da exministra da Casa Civil Gleisi
Hoffmann (PT-PR) ao Senado, em 2010. Segundo ele, o repasse dos recursos
para a senadora petista, no valor de 1 milhão de reais, foi executado
em quatro parcelas. As entregas de dinheiro foram feitas em um shopping
center no centro de Curitiba. Intermediários enviados por ambos
entregaram e receberam os pacotes. Em nota, a senadora disse que não
recebeu nenhuma doação de campanha nem conhece Paulo Roberto Costa ou
Alberto Youssef.
ELE TAMBÉM SABIA
Durante o segundo mandato de Lula, o doleiro contou que foi chamado
pelo presidente da Petrobras, José sergio Gabrielli, para tratar de um
assunto que preocupava o Planalto. Uma das empresas com contratos de
publicidade na estatal ameaçava revelar o esquema de cobrança de
pedágio. Motivo: depois de pagar propina antecipadamente, a empresa teve
seu contrato rescindido. Ameaçado pelo proprietário, Gabrielli pediu ao
doleiro que captasse 1 milhão de reais com as empreiteiras do esquema e
devolvesse a quantia à empresa de publicidade. Gabrielli não quis se
pronunciar
CONTAS SECRETAS NO EXTERIOR
Desde que Duda Mendonça, o marqueteiro da campanha de Lula em 2002,
admitiu na CPI dos Correios ter recebido pagamentos de campanha no
exterior (10 milhões de dólares), pairam sobre o partido suspeitas
concretas da existência de dinheiro escondido em paraísos fi scais. Para
os interrogadores de Alberto Youssef, no entanto, essas dúvidas estão
começando a se transformar em certeza. O doleiro não apenas confi rmou a
existência das contas do PT no exterior como se diz capaz de ajudar a
identifi cá-las, fornecendo detalhes de operações realizadas, o número e
a localização de algumas delas.
UM PERSONAGEM AINDA OCULTO
O doleiro narrou a um interlocutor que seu esquema criminoso por
pouco não atuou na campanha presidencial deste ano. Nos primeiros dias
de março, Youssef recebeu a ligação de um homem, identifi cado por ele
apenas como “Felipe”, integrante da cúpula de campanha do PT. Ele queria
os serviços de Youssef para repatriar 20 milhões de reais que seriam
usados no caixa eleitoral. Youssef disse que chegou a marcar uma segunda
conversa para tratar da operação, mas o negócio não foi adiante porque
ele foi preso dias depois. Esse trecho ainda não foi formalizado às
autoridades.
ATÉ A MÁFIA FALOU – Tommaso Buscetta, o primeiro mafioso a fazer delação premiada. Na Sicília, seu sobrenome virou xingamento
Quem delata pode mentir?
Alexandre Hisayasu
A delação premiada tem uma regra de ouro: quem a pleiteia não pode
mentir. Se, em qualquer momento, fi car provado que o delator não contou
a verdade, os benefícios que recebeu como parte do acordo, como a
liberdade provisória, são imediatamente suspensos e ele fica sujeito a
ter sua pena de prisão aumentada em até quatro anos.
Para ter validade, a delação premiada precisa ser combinada com o
Ministério Público e homologada pela Justiça. O doleiro Alberto Youssef
assinou o acordo com o MP no fi m de setembro. Desde então, vem dando
depoimentos diários aos procuradores que investigam o caso Petrobras. Se
suas informações forem consideradas relevantes e consistentes, a
Justiça – nesse caso, o Supremo Tribunal Federal, já que o doleiro
mencionou políticos – homologará o acordo e Youssef será posto em
liberdade, como já ocorreu com outro delator envolvido no mesmo caso,
Paulo Roberto Costa. O ex-diretor da Petrobras deu detalhes ao
Ministério Público e à Polícia Federal sobre o funcionamento do esquema
milionário de pagamento de propinas que funcionava na estatal e benefi
ciava políticos de partidos da base aliada do governo. Ele já deixou a
cadeia e aguarda o julgamento em liberdade. O doleiro continua preso.
Até o ano passado, a lei brasileira previa que o delator só poderia
usufruir os benefícios do acordo de delação ao fi m do processo com o
qual havia colaborado – e se o juiz assim decidisse. Ou seja, apenas
depois que aqueles que ele tivesse incriminado fossem julgados é que a
Justiça resolveria se o delator mereceria ganhar a liberdade. Desde
agosto de 2013, no entanto, esses benefícios passaram a valer
imediatamente depois da homologação do acordo. “Foi uma forma de
estimular a prática. Você deixa de punir o peixe pequeno para pegar o
grande”, diz o promotor Arthur Lemos Júnior, que participou da
elaboração da nova lei.
Mais famoso – e prolífero – delator da história recente, o mafioso
Tommaso Buscetta levou à cadeia cerca de 300 comparsas. Preso no Brasil
em 1983, fechou acordo com a Justiça italiana e foi peça-chave na
Operação Mãos Limpas, responsável pelo desmonte da máfi a siciliana.
Depois disso, conseguiu proteção para ele e a família e viveu livre nos
Estados Unidos até sua morte, em 2000.
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